Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

A Holanda vai mudar de nome?

A partir de Janeiro, o Governo da Holanda vai começar a usar um outro nome quando divulga o país… Porquê?

Há uns bons anos, fui de carro até Inglaterra, com a minha família toda, visitar o meu irmão, que por lá anda emigrado. Fizemos um «pequeno» desvio para visitarmos Bruges — e quando lá estávamos percebi, contente, que bastava um outro desvio (desta vez realmente pequeno) para pormos os pés na Holanda. Assim foi: poucos quilómetros depois, apareceu-nos a placa das doze estrelas com o nome «NEDERLAND» no meio. Parámos, tirámos fotos, voltámos para trás em direcção ao Túnel da Mancha…

Ora, aquele nome em holandês («Nederland») quer dizer, assim de repente, algo como «terras baixas» ou «países baixos». E é esse, de facto, o nome oficial do país em português: Reino dos Países Baixos.

Muitos países têm um nome longo e um nome curto. O primeiro costuma descrever o regime, sendo usado em documentos oficiais, enquanto o segundo é o nome comum pelo qual o país é referido numa conversa de café ou num artigo de jornal. Assim, temos «República Portuguesa» e «Portugal» para designar o nosso país. Ora, nas línguas estrangeiras, cada país costuma ter também dois nomes. No caso da Holanda, temos «Reino dos Países Baixos» e… Enfim, temos «Países Baixos» — mas, no dia-a-dia, um português que não trabalhe no Ministério dos Negócios Estrangeiros dirá, sem pestanejar, «Holanda».

Estes nomes, por vezes, mudam por decisão do país. Quando um país muda a sua designação longa, é comum os documentos oficiais dos outros países acompanharem a mudança. O Reino do Nepal mudou de nome para República Democrática Federal do Nepal quando o regime mudou em 2008. Nada a dizer.

Ora, uma vez por outra, um país tenta mudar o seu nome curto nas outras línguas — e aqui a porca torce o rabo. Afinal, se não é difícil convencer os outros países a mudar as designações nos tratados, bem mais difícil é convencer todos os falantes das outras línguas a usar um nome diferente nas conversas do dia-a-dia.

A Costa do Marfim, por exemplo, tentou convencer os outros países a mudar o seu nome oficial para Côte d’Ivoire — em todas as línguas! Sim, em francês nem que seja em chinês. Nada de nomes diferentes em línguas diferentes (onde é que já se viu?). Estranhamente, não cumpri essa vontade do governo da Côte d’Ivoire no início do parágrafo. Paciência.

A República Checa, que tem o azar de ver o seu nome longo usado como nome comum em muitas línguas, anda a insistir para que usemos o nome «Chéquia», tal como usamos «Eslováquia» para designar a República Eslovaca. É lógico, simples e simpático. E, no entanto, não me vejo a usar «Chéquia» entre amigos. «Já alguma vez foste à Chéquia?»

Já a Birmânia pediu para que os estrangeiros começassem a usar nomes como «Mianmar». Ora, devagar, devagarinho, neste caso, a sua vontade lá vai sendo cumprida. Ajuda o facto de poucas vezes referirmos o país em conversas de café.

Agora, um país que muitas vezes aparece nas nossas conversas — nem que seja por alturas dos campeonatos de futebol — é a Holanda. Esse simpático país abaixo do mar plantado gosta de complicar: não só usa uma bandeira onde a cor nacional (laranja!) está ausente, como tem, em muitas línguas, os tais dois nomes que referi. Muitos insistem que «Holanda» é erro — e, no entanto, a própria Holanda (lá está…) usa, no seu website de promoção turística, o endereço holland.com…

Pois bem, a Holanda está farta: a partir do final deste ano, quer ser conhecida como Países Baixos e pronto. Não só o Governo holandês, como as várias instituições ligadas ao turismo e muitas instituições privadas decidiram passar a promover, em exclusivo, o nome correspondente a «Países Baixos» nas várias línguas. Em inglês, será «Netherlands». Nada de «Holland» — nem na Eurovisão, nem nos Jogos Olímpicos, nem nos campeonatos de futebol. Em breve, teremos emocionantes jogos entre a Selecção das Quinas e os poderosos holan… habitantes dos Países Baixos!

Porquê? A ideia é começar a sublinhar o país inteiro e não só Amesterdão, que está, de facto, na Holanda, mas na Holanda enquanto pequena região dos tais Países Baixos (como a Inglaterra é apenas uma parte — não muito pequena — do Reino Unido).

O problema — direi eu — é este: quando um português diz «Holanda», não está a referir-se à pequena região que tem esse nome em holandês. Está a referir-se ao país todo. Se os ingleses não parecem importar-se com o uso de «Netherlands» (aliás, bastante frequente), temo que os portugueses continuem a usar «Holanda» e «holandeses» sem grande respeito pelas determinações dos ditos.

E, confesso já: apesar de não ter nada contra os belíssimos Países Baixos, apetece-me mais visitar a Holanda — e que da próxima vez seja durante mais do que 30 segundos! Também nunca sonhei ir à Chéquia, mas ainda hei-de visitar a República Checa. As línguas são assim, desarrumadas e pouco dadas a decretos.

(Aliás, são tão desarrumadas que até pode dar-se mesmo o caso de começarmos todos a falar dos Países Baixos no café… Nunca se sabe!)

Crónica no Sapo 24.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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24 comentários
  • Nesse seguimento, atrevo-me a sugerir que o mais indicado seria nós, os falantes da língua portuguesa, passarmos a dizer algo mais próximo de Nederlândia?

    Ou o respetivo governo refere especificamente o termo que se deve utilizar em língua portuguesa?

    (e assim, fico também curioso para saber como será em língua espanhola, italiana e francesa…)

  • Boa!
    Então, até agora as pessoas que moram lá eram e são holandeses e quando o nome do país mudar para Países Baixos as e os moradores de lá serão, o quê?

  • Tudo bem, Marco.
    Apenas um reparo, o cor-de-laranja não aparece na bandeira da Holan… porque esta cor é a da família real, por isso a selecção usa a cor e o símbolo; assim como a Itália entra em campo vestida de azul porque era a cor da família real italiana. Quando o país mudou para república e a bandeira passou a tricolor já a selecção italiana de futebol ganhava títulos e nunca quis mudar a cor do equipamento.

    • Porém, até data incerta, era o laranja que constava na bandeira. Vi em um documentário sobre bandeiras europeias que nem mesmo os holandeses sabem ao certo quando se deu essa mudança, apenas sabem que foi por conta da exposição da bandeira às intempéries climáticas e, assim sendo, o laranja “tornou-se rubro”.

  • Aqui no Brasil é impossível que se venha a pronunciar comumente “Países Baixos”, será Holanda para sempre e pronto! Cabe registrar também, que aqui do outro lado do Atlântico falamos República Tcheca, mas grafamos conforme escrevi “Tcheca”; o uso sem o “T” é muito raro aqui. Já o uso de Côte d’Ivoire é totalmente desconhecido e ignorado por aqui, aliás, eu só fui saber deste uso ao perceber que durante o sorteio dos grupos da Copa de 2006, o nome do referido país estava em francês e o dos outros em inglês, daí fui pesquisar e li que em 1985, o então presidente marfinense (ou ebúrneo!), havia feito este pedido, que logicamente, não teria como colar aqui no Brasil. Já a forma Birmânia (mudança ocorrida em 1989) é pouco usada, já se fala Myanmar por aqui, com alternância na grafia entre Myanmar e Mianmar.

    • Os holandeses estiveram aqui em Pernambuco, no nordeste brasileiro, de 1630 a 1654 e foram expulsos por brasileiros e portugueses. Mantivemos nossa integridade territorial e nossa língua portuguesa! Mesmo assim ficaram alguns vestígios de sua passagem! Ainda bem que não vou precisar mudar meu nome!!!

  • Desculpar-me-á, prof. Marco Neves, mas parece-me um anacronismo. Desde há muitos anos que a dita “Holanda” se denomina Países Baixos. Até me lembro-me, no século passado, aquando do festival da Eurovisão das Canções, o representante do júri, ao anunciar os pontos respeitantes, à “Holanda”, referir, em francês, Países baixos. É natural que em outros idiomas haja designações como neerdelands, entre vários. Não faço ideia como será dito em mandarim!
    Por outro lado, o nome Holanda teve, ou tem razão de ser: das doze províncias continentais, que constituem o actual reino, duas delas são a Holanda do Norte e Holanda do Sul. E eram sobretudo estas províncias que, desde o final da Idade Média, a europa comercial transaccionava, e daí o nome de Holanda.
    Não me parece grande erro continuarmos a chamar Holanda, como sempre se fez, em conversa informal. Já a língua neerlandesa, o neerlandês, é mais difícil de pronunciar, e então vai de dizer holandês!, Embora, naquele país existam várias línguas, não oficiais, tal como o frísio.
    Mas ainda sobre os Países Baixos, é uma designação que se perde na noite dos tempos, pois era a designação dada às regiões da actual “Holanda”, Bélgica, Luxemburgo e “arredores”, mais tarde, de alguma maneira, o “BENELUX”, embrião da actual U.E.

    • Precisamente como diz, a designação “Países Baixos” era usada, há poucas décadas, como nome desses três países de forma muito mais frequente do que o uso para designar apenas um deles. “Países Baixos” é uma designação antiga, mas nunca foi a designação mais habitual para o país, em português. Como refere, na Eurovisão, enquanto o francês usava a designação «Pays-Bas», o português usava o termo tradicional na nossa língua: «Holanda». Por outro lado, note que o próprio governo holandês (não consigo usar “neerlandês” neste caso…) usou “Holland”, nas suas publicações turísticas em inglês, até ao ano passado.

      Enfim, a verdade é que o nome que cada língua dá aos vários países não segue os mesmos caminhos que outras línguas. Chamamos «Grécia» à Grécia sem grande relação com o nome que os próprios dão ao seu país (este é apenas um exemplo).

      Permita-me enviar-lhe um abraço.

  • Já agora, prof. Marco Neves, talvez seja oportuno esclarecer os seus comentadores da razão da cor laranja, mais escuro ou mais claro: referindo o nacionalista Guilherme d’Orange e as suas lutas com o imperador Carlos V e o seu filho Filipe II (Espanha), I de Portugal.

  • Permita-me assinalar uma pequena gralha no segundo parágrafo: o nome em holandês é “Nederland”, não “Nederlands”.

  • Gostei da postagem! Obrigada. E, já agora, com grande lata, aproveito a ocasião para dizer que a Galiza é assim mesmo que se chama, e não Galícia nem coisas do género ;P. Saúdos e saúde!

  • E como seria o adjetivo pátrio ( ou gentílico, se preferirem) dos Países Baixos ? Baixense, paesano baixense, ou que outra forma esdrúxula? Não acredito que em português criem um
    novo gentílico… será sempre … holandês …

  • Acho peculiar se passarmos a referir à língua deles como língua neerlandesa porque (penso) ser um anglicismo, sendo que os de língua inglesa lhe chamam ‘dutch’.

    Noutro assunto, outro exemplo de uma língua que não acompanhou a mudança de nome de um estado é o de Portugal em língua suaíli: Ureno. Esta versão vem de ‘Reino de Portugal …’

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Marco Neves

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