Dizem as más línguas que a tradução afasta o leitor do original: não é, afinal, o tradutor alguém que se intromete entre o escritor e o leitor?
Não vão em cantigas: na realidade, a maior parte das vezes, o tradutor aproxima-nos do original.
Porquê? Porque o tradutor teve todo o trabalho de investigar e pensar para nos dar o texto original com o sabor e intensidade da nossa própria língua.
A não ser que sejamos bilingues (uma situação bastante rara), dificilmente lemos tão bem na outra língua como na nossa — e mesmo quando isso acontece com uma ou duas outras línguas, temos as outras 5998 línguas do mundo a considerar…
Por isso, sim, os tradutores aproximam-nos do original.
Querem uma espécie de prova?
Reparem nesta notícia do The Guardian sobre a “tradução” do Dom Quixote para espanhol moderno (uma tradução que deixará de sorriso nos lábios os leitores de Jorge Luis Borges).
Como diz o autor (tradutor?) do novo Quixote, Andrés Trapiello, ler o Quixote é hoje mais fácil para um inglês ou para um português do que para um espanhol.
Porquê?
Porque as traduções aproximam o texto cervantino da nossa língua, ficando os espanhóis com um texto do qual se sentem cada vez mais distantes.
Por isso achou por bem Trapiello criar uma tradução espanhola de um texto em espanhol.
Não faço ideia se o projecto de Trapiello faz bem ou mal à literatura espanhola. Mas sei que as traduções, em geral, fazem muito bem à literatura — e ainda mais aos leitores, que não precisam de ficar fechados nas apertadas fronteiras de cada língua e de cada época.