Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

As contracções em português

As palavras da nossa língua, uma vez por outra, juntam-se num abraço apertado e criam contracções.

Existem, por exemplo, contracções de preposições com os artigos:

  • «a» + artigo definido: «ao», «à», «aos», «às»
  • «de» + artigo definido: «do», «da», «dos», «das»
  • «em» + artigo definido: «no», «na», «nos», «nas»
  • «por» + artigo definido: «pelo», «pela», «pelos», «pelas»
  • «de» + artigo indefinido: «dum», «duma», «duns», «dumas» 
  • «em» + artigo indefinido: «num», «numa», «nuns», «numas»

Existem ainda contracções da preposição «a» com outras palavras: «àquele», «àquela», etc.

Mas há mais, muitas mais!

Por exemplo, contracções do «de» com os pronomes pessoais da terceira pessoa: «dele», «dela», «deles», «delas».

Existem ainda contracções entre pronomes pessoais: «mo», «mos», «ma», «mas», «to», «tos», «ta», «tas», «lho», «lhos», «lha», «lhas». Por exemplo, «dá-mas» ou «dá-lhos».

Estas palavrinhas (são, quase todas, pequeninas) levam dentro duas palavras — e nós, ao contrário doutras línguas, nem precisamos do apóstrofo para as juntar.

Há alguns cuidados a ter. Por exemplo, as contracções devem ser evitadas, na escrita, sempre que a segunda palavra da contracção pertence a uma oração no infinitivo:

  • Não gosto de o amor eterno ser visto como um mito.
  • Não gosto de uma criança chegar lá e ver aquilo!
  • Cheguei antes de ela aparecer.

Depois, há pedaços de história escondidos em certas contracções. Quando a preposição «com» se encontra com alguns dos pronomes pessoais, surgem formas curiosas: «comigo», «contigo», «connosco», «convosco», «consigo».

São curiosas porque o «migo», por exemplo, tem origem no «mēcum» latino, que já queria dizer… «comigo»! Ao longo da história que veio do latim ao português, começámos a introduzir um «com» no início. No fundo, «comigo» quer dizer «com com eu», numa duplicação interessante, que só prova como a língua é feita de imperfeições, duplicações, redundâncias sem fim. É uma floresta antiga, onde árvores milenares se misturam com arbustos recentes e sementes do que há-de vir.

Baseado numa página do Almanaque da Língua Portuguesa.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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8 comentários
  • Obrigado pelo seu artigo.
    Tenho uma dúvida. São nos pares (dum / de um – de uma, num / em um – numa) ambas formas (com e sem contração) corretas na escrita, é uma mais formal do que a outra ou há alguma preferência no uso? Obrigado.

  • Na normativa oficiais do galego, as contrações da preposição ”con” e o artigo são aceitas como correctas. Isto daria : “co”, “ca”, “cos”, “cas”.
    Existe essa contração no português falado, não formal ?

    Saúdos

    • Cá em minas ainda se ouve “cos” “cas” “coas” etc, mas como não é parte do português oficial está caindo em desuso.
      Talvez reminiscência de uma colonização predominantemente minhota.

  • Existe uma regra implícita, não sei se apenas no Brasil, que as contrações devem ser evitas em textos formais, realmente não as vemos em jornais, o que eu acho uma palhaçada.

    • Talvez certas contracções (como “dum” ou “naquela”), mas certamente não todas. Julgo que todos os jornais brasileiros aceitam “do”, “da”, etc. Há uma diferença com Portugal. Por cá, será raríssimo escrever “em uma”, quando julgo ser habitual no Brasil. Será assim?

  • É curioso reparar como algumas contracções estão a cair em desuso em Portugal. Exemplos: “dum”, “doutro”, “dalgum” e até “donde” (“num”, “noutro” e “nalgum” seguem a mesma tendência, embora resistam muito mais). Sempre que usá-las é gramaticalmente correcto, bem entendido, estas palavras já são pouco frequentes relativamente às formas equivalentes sem a contracção, excepto nalguma escrita literária. Basta ler os jornais e as notícias ‘online’. Reparei que os manuais escolares (usados pelos meus filhos ao longo dos últimos dez anos) se apressaram a seguir a moda. Pouco falta, portanto, para tais palavras se tornarem arcaísmos de linguagem. Por enquanto, persistem marginalmente: os menos letrados preservam-nas naturalmente na fala; os mais letrados não só as dizem, como também as escrevem.

    O fenómeno é paralelo com estoutro (não resisti a usar esta contracção extinta) no domínio da oralidade: o abandono da elisão da vogal da preposição “de” quando seguida doutra palavra começada por vogal ou /h/.

    Por exemplo, tornou-se moda pronunciar “fim de ano” como «fim di ano» em vez de «fim d’ano», o mesmo acontecendo com “festa de aniversário”, “copo de água”, “obra de arte”, “história de amor”, “medalha de ouro”, “dia de hoje/ontem/amanhã”, “palavra de honra”, “questão de horas”, “a partir de agora”, “doce de ovos”, “cacho de uvas”, “chá de ervas”, “praia de Oeiras”, “cidade de Aveiro”, “batalha de Aljubarrota” e mil outros casos. Lembro-me que este desvario começou há uns quinze anos, propagando-se como um vírus (salvo seja!) que causou uma amnésia geral quanto à forma natural e normalizada de falar… Também os nomes próprios onde a mesma elisão estava consagrada pelo uso de apóstrofe passaram a ser lidos de maneira ridícula, tais como “Garcia d’Orta”, “Paço d’Arcos” ou “Vila Praia d’Ancora” – cuja grafia foi entretanto modernizada, sem apelo nem agravo, para “Garcia de Orta”, etc. O mesmo se passou com certos substantivos compostos, como por exemplo, “brasão d’armas”, “cantiga d’amigo”, “marca d’água”, “olho d’água” e “vinha-d’alhos”. Só porque se resolveu escarrapachar a preposição que liga os elementos, era preciso mudar a pronúncia genuína?

    Seria fácil atribuir ambas as modas [abandono da elisão e de certas contracções envolvendo a preposição “de”] à influência crescente do português do Brasil – não fosse o facto de o grau de adesão às mesmas, quanto ao modo de falar em Portugal, variar (grosso modo) na razão inversa da distância a Lisboa. Na realidade, revelam uma espécie de snobismo cultural, exibido com garbo na locução televisiva e que se instalou em quase todos os ‘media’.

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