Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

A Catalunha e a banda desenhada húngara

Todos nós temos aquele amigo que gosta de qualquer coisa muito estranha a que mais ninguém liga. Nuns casos, será a banda desenhada húngara; noutros será o cinema do Cazaquistão; imagino ainda quem tenha um gosto muito particular por literatura do Tajiquistão ou pelas as revoltas internas na província de Sichuan na China.

Pois, para os meus colegas da faculdade, eu era esse amigo esquisito com uma mania absurda. Todos eles sabiam de cor: eu tinha uma peculiar e inexplicável inclinação por tudo o que tivesse alguma coisa a ver com a Catalunha.

Sim, sabia mais do que é saudável sobre a sua história, lia literatura catalã (!) — e quando jogávamos ao jogo do STOP e calhava letra C, eu punha de propósito «Catalunha» na coluna dos países. Os meus colegas, entre dentes, rosnavam que isso não é um país, já a saber o que vinha aí. Eu sorria e dizia que, tudo bem, aceito o critério de que um país tem de ser independente para entrar na ONU e no jogo do STOP, mas sendo assim que ninguém se atrevesse a escrever «Escócia» quando calhasse a letra E. Algum colega mais distraído ainda dizia, por vezes, «isso é diferente» — mas os outros faziam-lhe olhos de terror, como quem diz «não digas nada, que este é maluco».

Depois, cheguei a escrever artigos para revistas da faculdade, cartas do leitor em jornais, e sempre que podia entregava trabalhos sobre tão simpática nação (espero que nenhum madrileno me bata por ter usado esta palavra). Entretanto, arranjei um carro. O Luís (sei que foste tu!) escreveu com o dedo no vidro sujo: «Lava-me, porco catalão!»

Enfim, isto tudo para dizer que agora me sinto como o tal geek da banda desenhada húngara que já estava resignado a viver num país onde ninguém liga nenhuma à banda desenhada húngara. Um dia, acorda e fica de olhos arregalados quando percebe que, em todos os telejornais, em todos os títulos, em todas as conversas de Facebook — toda a gente desatou a falar da banda desenhada húngara. E, espantosamente, todos sabem tudo sobre banda desenhada húngara!

Sinto-me como esse pobre maluco da BD magiar, que não sabe se há-de estar contente com o interesse repentino do país inteiro pela sua pancada (a banda desenhada húngara é cool!) ou furioso porque todos falam sobre o assunto com a mania que sabem e não passaram os anos todos que ele passou a ler e a estudar a excelente banda desenhada húngara! Ah, o prazer que se esconde nos quadradinhos de Pál Korcsmáros!

A certas horas, já apetece gritar: porra, já se calavam com a banda desenhada húngara! Quero voltar a ser eu o esquisito!

Mas depois lá deixo subir aos lábios um sorriso matreiro: estão a ver como o assunto é interessante e cheio de perspectivas diferentes, histórias que ninguém conhecia e muita emoção à flor da pele? Ah, pois é! Agora vamos lá ver é se nos quadradinhos desta BD não desata tudo ao estalo.

RECEBA OS PRÓXIMOS ARTIGOS

Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

Comentar

2 comentários
  • Estranho.
    Deixaste os comentários abertos e não há qualquer comentário a dar-te na cabeça relativo à independencia (ou não) da Catalunha?
    Esta internet já não é o que era…. 😉

Certas Palavras

Autor

Marco Neves

Blogs do Ano - Nomeado Política, Educação e Economia