Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Sim, vamos continuar a dançar. Habituem-se.

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A violência é horrível: ouvir as histórias de quem recebeu chamadas do filho de dentro da discoteca de Orlando — antes mesmo de morrer… Ouvir as histórias de quem entrou na discoteca cheia de mortos e ouviu os telemóveis a tocar, em desespero, à espera que aquela pessoa particular atendesse — enquanto esse seu filho ou amigo estava ali morto, no meio da pista…

Tudo por causa do ódio a pessoas que beijam quem eles acham que não devem.

Reparem no tipo de vítimas destes energúmenos:

  • Meninas que vão à escola para aprender (Nigéria).
  • Humoristas a fazer piadas que irritam gente séria (Paris).
  • Gente a trabalhar para o bronze na praia (Tunísia).
  • Pessoal a ouvir um concerto ou a rir numa esplanada do café (Paris).
  • Famílias na fila do check-in para ir de férias (Bruxelas).
  • Gays a divertirem-se numa discoteca (Orlando).

Estão a ver o padrão? Gente que aprende, que ri, que ouve música, que vai de férias, que ama — e tenta ser um pouco feliz no dia-a-dia. Nós todos, no fundo.

Esses tarados miseráveis invejam a felicidade alheia, odeiam a liberdade e não podem com o prazer dos outros. E acham-nos a todos uns depravados, que pomos meninas na escola, dançamos na discoteca, aceitamos que cada um ame quem quiser, despimo-nos na praia, ouvimos música em Paris…

Isto é um ataque a todos nós. Todos nós, que amamos a liberdade simples de fazer o que entendemos sem prejudicar os outros, todos nós somos inimigos, infiéis, depravados.

Por isso, sim, também precisamos de mostrar que gostamos de viver numa sociedade onde todos vivem como bem entendem e com quem entendem. Não é tão fácil como parece, mas lá vamos conseguindo. Temos de mostrar que é possível viver assim, em sociedades abertas — e isto é possível no mundo inteiro, não é exclusivo nosso. Isso é o que irrita mais os fanáticos: perceber que é possível viver assim, sem medo das suas ideias tremendas. Custa-lhes perceber que em todo o mundo há esta vontade de ser simplesmente livre e não andar a toque dos tarados.

E temos de ficar um pouco felizes e comovidos que, mesmo assim, ainda haja tanta gente que se une quando alguém é atacado só porque está a viver a sua vida — hoje somos todos como eles. Sim, somos todos Charlie, estamos todos no Bataclan, somos todos gays de Orlando e somos todos meninas da Nigéria — todos vítimas desses cabrões de brilhantes ideias.

O que vale é que somos muitos e ninguém vai parar de dançar, de rir, de ir ao café, de se despir na praia, de ouvir música alta e amar sempre que quisermos, com quem quisermos, como quisermos — só porque isso irrita um qualquer beato incapaz de lidar com o facto de ter visto dois homens aos beijos.

Habituem-se, que o mundo nunca será como vocês querem.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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8 comentários
  • Gostei m uito deste seu trabalho.Disse tudo o que eu penso e que subscrevo vivamente.

  • Marco, cuido que este tema requer umha análise mais profunda. Como explica o Steve Taylor no seu livro “Back to sanity. Healing the madness of our minds“, que eu venho de traduzir ao galego co título “De volta à saúde“, e de que som tamém promotor, umha das caraterísticas da nossa “humania“, ou loucura humana, é a falta de empatia. Praticamente todos sofremos desta doença (mesmo sem nos apercebermos dela) mas nalguns indivíduos ela leva ao tipo de extremos que acabamos de ver em Orlando. Ou seja, no nosso mundo doentio é inevitável que exista umha minoria de indivíduos a manifestarem comportamentos psicopáticos e homicidas …

    Deixo-che aqui umha ligaçom: http://www.devoltaasaude.org/

    Saúde

  • “…Tudo por causa do ódio a pessoas que beijam quem não devem…”

    Creio que deverias alterar a frase para “…Tudo por causa do ódio a pessoas que beijam quem eles acham que não devem”

    Não é uma questão de Politicamente Correcto.
    É mesmo uma questão do que é Correcto, partindo do princípio que….

  • O que eu acho, é que a única diferença para o que os cruzados fizeram, é a explosão mediática que existe actualmente. E que no nosso caso, quando acontece em país ocidental, é levada ao paroxismo informativo…..

    Uma única notícia sobre três ataques terroristas
    http://observador.pt/2016/06/12/grupo-estado-islamico-realiza-tres-ataques-suicidas-na-libia/

    Até chegar à notícia acima, há 14 sobre o ataque em Orlando.
    Quase é preciso noticiar qual era a cor das cuecas do atirador e analisar aprofundadamente se essa cor é ou não significativa para o seu perfil psicológico e qual o seu significado à luz do terrorismo das focas do polo sul….

    Existem uma série de canais televisivos (e de rádio) dedicados exclusivamente a ‘informação’. Estes têm transmissão 24 sobre 24. Essas 24 têm, imprreterivelmente, de ser preenchidas. Dê lá por onde der.

    É obvio (ou devia ser) que com isto não estou a dizer que estes e outros acontecimentos similares devem ser escondidos ou não noticiados. Estou a dizer que há um excesso de cagaçal mediático.

    • Há esse excesso sim. O que acaba numa visão muito enviesada da realidade: o terrorismo mata muito menos do que os automóveis, por exemplo, e no entanto o pânico leva a decisões e a intromissões tramadas…

  • Possivelmente, ainda não leram que o atirador frequentava o bar como cliente. Informem-se. Ódio ao que era?

    • Mesmo que, por algum motivo, queira retirar a última linha da enumeração, o padrão dos ataques continua bem visível.

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