Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O dia em que fiquei preso no Colombo e Gulliver veio em meu socorro

Houve um dia, há muitos anos, quando ainda andava na faculdade e vivia aquela vida de estudante complicada em que durante muitas alturas do mês não tinha dinheiro na conta, em que decidi ir à Fnac. Enfim, é um prazer como outro qualquer, mas confesso que a coisa às vezes era doentia. Ficava horas a olhar para os livros, cabeça de esguelha, sem poder comprar todos os que queria. Folheava, lia, folheava outro, sentava-me, dava mais um volta, via uns CD (na altura em que ainda se comprava música física), voltava aos livros, enfim…

Pois bem, nesse dia tive um problemazito.

Fui para o Colombo, pus-me a ver livros, e perdi noção das horas. De repente, percebi que não tinha dinheiro para pagar o estacionamento! Ou melhor, eu tinha o suficiente na conta para pagar o estacionamento, que seria aí uns dois euros (julgo que já havia euros, mas não tenho a certeza). Só que não podia levantar dinheiro, porque não tinha o suficiente para uma nota que fosse (estes estudantes…). Tinha, se bem me lembro, uns três euros na conta…

Tinha um problema muito sério: como sairia dali? Não podia pagar o estacionamento com o Multibanco. Não podia levantar dinheiro. Não tinha dinheiro no bolso.

Já estava a imaginar o cenário: uma noite no Colombo… Telefonar a algum amigo para me ir salvar… Ou mesmo telefonar aos meus pais… Lavar pratos para pagar o estacionamento. Ficar eternamente a vaguear pelo Colombo, à espera dum realizador que quisesse fazer o filme da minha vida… Ou, simplesmente, ficar a dormir no carro… Uma série de acontecimentos estratosfericamente embaraçosos que me fariam vaguear como um farrapo inseguro, a tremer, pelo Colombo fora, sem dinheiro para comer, sem cama para dormir. Pânico!

Mas, fez-se luz…

Na altura, a Fnac oferecia estacionamento grátis a quem comprasse fosse o que fosse. Ora, havia uns livritos muito baratos, que custavam muito pouco… Aliás, havia, e há…

A colecção é esta:

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Pois, bastou pegar num destes livros, quase escolhido ao calhas, pagar com Multibanco, pegar no talão do estacionamento grátis e ir para casa.

Talvez tenha sido mesmo as Gulliver’s Travels… Mas não posso garantir. Enfim, se não foi o Gulliver, foi sem dúvida a Penguin que veio em meu socorro.

Fiz tudo com calma, mas estava nervoso: a solução era tão simples e calhava tão bem, que era difícil imaginar que não falhasse. Talvez já nem 3 euros tivesse na conta… Talvez os cartões com menos de 5 euros não funcionassem… Se calhar chegava ao carro e não tinha gasóleo para chegar a casa.

Mas resultou. Quando cheguei a casa, que afinal nem era assim tão longe, ri-me a bom rir.

E pronto, foi assim que Gulliver veio em meu socorro num dia em que ia ficando preso no Colombo.

(Só para descargo de consciência: já tinha publicado este texto noutro sítio, já vai para uns dois ou três anos. Lá fica — e aqui também.)

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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