Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Dúvidas sobre tradução certificada em notário

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As traduções certificadas em notário são um tipo especial de tradução.

Costumo passar bastante tempo a explicar as suas particularidades aos meus alunos de Prática da Tradução, porque este tipo de tradução é arriscado para o tradutor — e muitos dos primeiros trabalhos dos tradutores mais jovens costumam ser certificados em notários (traduções para amigos e conhecidos que vão emigrar, por exemplo).

Reparem no perigo: tradutores com pouca experiência abalançam-se para um tipo de tradução que apresenta mais riscos do que o habitual. É por isso que é mesmo muito importante alertar os futuros tradutores para esses mesmos riscos.

Bem, mas hoje quero deixar-vos um texto virado para os clientes. É um texto que escrevi há alguns anos e publiquei num blogue da empresa onde trabalho. Lembrei-me dele hoje quando o vi publicado numa página de Facebook sobre tradução. Chamou-me a atenção por não conter o nome do autor — acreditem que comecei a ler interessado até começar a franzir os olhos: “espera lá, mas eu já li isto noutro lado qualquer”. Continuei a ler até se fazer luz: “espera lá, fui eu que escrevi isto”. A internet tem destas surpresas curiosas.

O gestor da página garantiu-me que foi um erro e corrigiu-o prontamente. Mas por causa do incidente, reparei que ainda não tinha deixado o tal texto neste blogue em que também falo de tradução e, assim, aqui o têm. É um texto um pouco seco, mas espero que vos seja útil.


Muitos dos nossos clientes pedem-nos aquilo que chamam “traduções certificadas” (também chamadas de “traduções autenticadas”).

Este tipo de tradução levanta algumas dúvidas.

“O que é uma tradução certificada?”

Uma tradução certificada, em Portugal, consiste num documento notarial (que pode ser emitido por um advogado), que certifica a identidade da pessoa que se apresenta como tradutor; já o tradutor assegura a fidelidade da tradução ao original apresentado.

A tradução certificada consiste num conjunto de três peças (a ordem pode não ser sempre a mesma):

  • A declaração do notário e do tradutor, assinada e carimbada.
  • O original, assinado e carimbado pelo tradutor e notário.
  • A tradução, assinada e carimbada pelo tradutor e notário.

“Existem tradutores ajuramentados em Portugal?”

Em Portugal, não existem tradutores ajuramentados. O tradutor deve responsabilizar-se pela tradução perante um notário ou advogado. É esse o serviço que prestamos: entregamos ao cliente a tradução certificada em notário ou advogado. O serviço cobrado inclui: tradução, certificação em notário ou advogado e deslocação.

“Devo usar uma fotocópia certificada?”

A tradução certificada fica anexada ao documento original apresentado pelo cliente, sendo o conjunto assinado pelo tradutor e notário e ainda carimbado por este último. Para evitar “estragar” os documentos originais, é aconselhável usar uma fotocópia certificada como original da tradução. Também é possível usar uma fotocópia simples, mas a tradução certificada poderá, depois, ser recusada na entidade que a solicitou.

“A tradução certificada em Portugal serve para o que preciso?”

Os casos são muito diferentes entre si e é difícil dar uma resposta única. Há aqui várias opções, que o cliente deve conhecer, optando pela mais adequada para o seu caso em particular. Em caso de dúvida, contacte a entidade que solicita o documento, pedindo informações sobre os seus requisitos.

  • Tradução certificada em notário, em Portugal. Este tipo de certificação é válida em Portugal. No estrangeiro, poderá não ser aceite.
  • Tradução certificada em notário, em Portugal, com a certificação traduzida para a língua do país de destino da tradução ou para inglês. O documento do notário pode ser traduzido para outra língua. Nem todos os notários prestam este serviço.
  • Tradução certificada em notário, em Portugal, com Apostilha de Haia. A Apostilha de Haia é solicitada junto da Procuradoria-Geral da República e certifica a legalidade do documento notarial junto de entidades de países que assinaram a Convenção de Haia. Atenção: se o documento a traduzir for um documento oficial que necessite, só por si, da apostilha, pode ser necessário pedir duas apostilhas: para a tradução e para o original.
  • Tradução certificada junto da embaixada do país de destino da tradução. Este processo é necessário para países que não assinaram a Convenção de Haia que regula a Apostilha. Nalguns casos, os países exigem certificação em notário, uma certificação intermédia numa Câmara de Comércio ou no Ministério dos Negócios Estrangeiros português e ainda a certificação em Embaixada (ou uma combinação destes passos).

Só mesmo sabendo qual o país e o destino do documento será possível perceber a melhor forma de obter uma certificação adequada.

“Posso pedir uma tradução certificada só para garantir a qualidade da tradução?”

Não deve: a certificação nada diz sobre a qualidade do tradutor ou tradução. Apenas certifica legalmente a autoria da tradução; por sua vez, o tradutor garante a fidelidade da tradução. Ora, em certos projectos, é necessário realizar adaptações, cumprir instruções do clientes, etc., e nada disso pode ser feito numa tradução certificada, em que a fidelidade é o único valor importante (por exemplo, se o original contiver um erro ortográfico no nome de alguma pessoa, esse erro deve ser preservado na tradução, o que não acontece noutro tipo de projectos de tradução).


Há muito mais dúvidas sobre este tema. Voltarei a ele um destes dias.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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11 comentários
  • Não percebi:
    O que é que é certificado pelo notário? A tradução propriamente dita ou a identidade (e idoneidade?) do tradutor?

    • É certificada a identidade do tradutor. O notário não certifica q qualidade ou a fidelidade — é o tradutor que o faz. O que se passa em Portugal é isto: qualquer pessoa pode declarar-se como tradutor perante o notário. Noutros países, o tradutor tem de passar um exame antes de poder jurar a fidelidade de qualquer tradução. Por fim, este tipo de tradução serve apenas para traduções de cariz jurídico.

  • É como dizes um trabalho de tradução muito importante, no sentido de requerer muito cuidado com aquele que deve ser o objetivo do texto a traduzir.

    Exemplifico com o caso de uma procuração que alguém necessite passar, se estiver no estrangeiro para alguém que sendo seu representante se encontre em Portugal.

    Deverá deslocar-se a uma embaixada ou consulado com o texto original e tradução certificada para reconhecer e só depois ser enviada para o país onde essa procuração irá ser utilizada.

    Tudo este processo assenta portanto na fidelidade da tradução feita que passa a ser o documento válido e mais importante.

  • Gostaria de deixar um correção quanto a quem tem competência para certificar uma tradução . É realmente o NOTÁRIO, o ADVOGADO, mas também o SOLICITADOR.

  • …quanto a quem, não acaba aí: também conservadores, oficiais de registo e câmaras de comércio…!
    Já agora, na Tabela Emolumentar Notarial referiu-se a dada altura “certificação de exactidão” (!)… presumivelmente terá sido uma escolha infeliz do redactor, que entretanto deixou de ser relevante uma vez que estes certificados deixaram de estar tabelados – excepto nos serviços notariais dos consulados PT no estrangeiro.

  • Mais uma pequena retificação: a certificação da tradução não é exclusiva de documentos jurídicos; pode acontecer pelo menos também em diplomas.

    • Obrigado! Pode acontecer com qualquer documento, para dizer a verdade. No entanto, é mais comum com documentos jurídicos, nos quais podemos incluir os diplomas, que têm efeitos jurídicos em termos de direitos e obrigações da pessoa a quem são emitidos.

  • Boa noite Marco!
    Fala-se em Tradutor oficial, o que é e como conseguir esse “estatuto”? Quais os requisitos?
    Sou licenciada em tradução pelo ISLA Lisboa, vertente técnica-económica, domínio francês-inglês, tenho uma licenciatura, mas não creio que tal me confira o estatuto de tradutor oficial.
    Qual o papel ou ação da embaixada nestes casos? Tradutores oficiais constam da lista de fornecedores/clientes das embaixadas?
    Obrigada desde já, pela atenção

    • Cá em Portugal, não existe a figura do tradutor oficial. Um tradutor (em princípio, com formação, esperamos) terá de ir ao notário e certificar a sua tradução. Algumas embaixadas, no entanto, têm listas de tradutores aconselhados. Não sei se consegui esclarecer.

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