Certezas há muitas, não é? E todos gostamos de as espaventar no Facebook, que nem sempre se presta à dúvida e à hesitação, grandes conselheiras em muitos assuntos.
Nestas coisas da língua, então, quantos não atiram com certezas e tapam os ouvidos a qualquer argumento um pouco mais pensado!
Por exemplo, escrevo (e partilho) um artigo a dar para o longo sobre o uso das palavras «castelhano» e «espanhol» para designar a língua mais falada no país vizinho.
Resposta dum comentador de ocasião? Aqui têm:
Se mais dúvidas houvesse, bastaria ler a Constituição espanhola para se ficar a saber que a Língua oficial de Espanha é o castelhano! Caso contrário, diríamos que na Europa se fala o europeu, tal como antigamente na URSS se falava o “soviético”… disparate!!!
Deixa-me um pouco triste ter feito o esforço de escrever um artigo o mais explicado e moderado possível sobre uma matéria com que trabalho todos os dias e ser despachado assim a toque de «disparate» e pontos de exclamação — e que não haja dúvidas!
Ainda por cima, os argumentos apresentados são discutidos no artigo partilhado — bastava ler com a mente um pouco mais aberta. Estivessem os argumentos errados, que se apresentassem os argumentos contrários, mais fortes, sem «disparates» e pontos de exclamação despropositados.
Em conversa com o comentador, percebi que a questão é esta: como o autor do comentário é contra uma visão monocromática da nacionalidade espanhola, acha que o termo «espanhol» está incorrecto. Se «espanhol» estivesse correcto, não podíamos aceitar o basco, o catalão e o galego como línguas de Espanha.
Ora, a verdade é que até concordo que o termo «castelhano» facilita a vida a quem quer encaixar as várias identidades espanholas numa Espanha de várias nações. Se eu fosse espanhol, iria por aí e não tanto por identidades monocromáticas e de uma só língua.
Mas isso sou eu. Nestas questões de correcção, as nossas opiniões políticas particulares têm pouca importância. É preciso ir mais fundo e estudar as línguas em si, a forma como são usadas e a forma como estão registadas nos dicionários e afins.
Quando alguém acha que todos os falantes duma língua estão errados, estamos perante a ideia de que a língua se confunde com os nossos desejos pessoais. Já temos falado por aqui de muitos casos desses.
De que vale a maioria dos espanhóis chamarem à sua língua de «espanhol» (e considerarem tal palavra como sinónimo de «castelhano»)?
De que vale os dicionários portugueses registarem os dois termos como sinónimos?
De que vale muitos países de língua espanhola usarem o termo «espanhol» nas constituições, enquanto outros usam «castelhano»?
Se eu tenho cá a minha lógica, só a minha opção está correcta!
E, no entanto, não é assim.
Uma coisa são as nossas opiniões e desejos, outra coisa são os factos das várias línguas. E, neste ponto, o facto é este: em espanhol (e em português), «castelhano» e «espanhol» são duas palavras sinónimas, que designam a mesma língua — e estão ambas correctas.
(Sobre esta questão interessante e complexa dos nomes das línguas em Espanha, também escrevi este artigo: «10 nomes de línguas de Espanha (incluindo o português)».)
Quando diz línguas de Espanha… Não quererá dizer Hispânia???
Não: estou mesmo a falar das línguas do actual Estado espanhol, não da Hispânia, termo que abrange toda a Península.
E as Canárias?
Eu acho que o post está correto, embora possa se argumentar que, na Argentina, por exemplo, é comum dizer-se que ali se fala “castellano” e não “espanhol”, para diferenciar o dialeto rio-platense. Neste caso, castellano teria um significado específico, que não é o mesmo de espanhol. Mas palavras são assim, e seu significado, em qualquer idioma, é contextual.