Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O Facebook espalha a ignorância?

A ignorância é falta de conhecimento. Ora, alguém já acordou a saber alguma coisa, ligou o Facebook e, puf, lá se foi o que sabia? Não me parece: no máximo, o que o Facebook faz é espalhar ideias erradas — mas onde espalha as ideias erradas, também pode espalhar ideias certas (ou menos erradas).

No fundo, estamos no mundo do debate de ideias. É complicado? É difícil? É perigoso. Sim, sim, sim. Mas já havia ideias diferentes antes do terrível mundo das redes sociais. O que temos agora é mais rapidez.

Então e os disparates? A boçalidade? O mau português? Já lá estava! Só que não se via tanto. Andávamos mais distantes dos outros mundos. Estávamos ainda mais enterrados nas bolhas em que vivemos. Nem sempre tínhamos de lidar com gente que não se importa de insultar os outros por dá cá aquela palha.

(Sim, andei a ler este texto de José Pacheco Pereira e fiquei pasmado com a facilidade com que se partilhou o texto pelas tais redes sociais — pareceu-me um desfilar de ideias-feitas sobre as redes sociais, como se estas criassem gente ignorante onde antes havia gente bem informada. Mas admito que possa ter sido uma leitura apressada. Não tive tempo: tinha o Facebook à minha espera.)

Volto atrás e repito: o Facebook não nos encerra em bolhas. Deixa à vista as bolhas onde já estávamos, porque nos aproxima de opiniões, comentários e linguagem a que não estávamos habituados.

Pense lá quem acha que o mundo flipou com o Facebook: encontre uma só pessoa que dantes era culta e informada e, agora, depois de passar pelas tais redes sociais, ficou ignorante e bruta. Encontro muito mais exemplos do contrário: gente que encontra novas perspectivas, novas ideias, novos textos e livros e arte ao andar pelas redes. Sim: nós encontramos coisas boas no Facebook e derivados. Há lá muita coisa má? Sim: mas o mundo sempre foi assim. Aprender a encontrar o que é bom faz parte do crescimento.

Mas, pronto, admito: agora temos de crescer mais depressa e, pelo caminho, há muitos tropeções, muita zanga, muito espanto pela ignorância do mundo. Mas ela, meus amigos, sempre lá esteve.

(Deixo aqui esta resolução de início de ano: vou tentar combater menos moinhos de vento, como diz e muito bem o Paulo, leitor regular deste blogue. Vou tentar espantar-me menos com a ignorância que sempre lá esteve e passar a falar mais de coisas boas. Veremos se me aguento muito tempo.)

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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3 comentários
  • Antes do facebook, havia os mails a “pedir ajuda para qualquer criancinha sem pernas no cimo de uma árvore lá para a Indonésia” e a sua disseminação sem qualquer controle ou análise.
    Limita-se a ser uma ferramenta e como qualquer ferramenta, pode ser correctamente ou erradamente utilizado.

    Alguns dos grandes culpados dessa “ignorância” referida pelo PPereira, são os “jornalistas”(*) que reproduzem quase qq bosta que vêm em jornal estrangeiro/agência noticiosa, sem a respectiva verificação.

    nota1) Já agora, o facebook está em queda.
    Verifiquem quantos adolescentes é que deixaram de ir ao face (usando outras aplicações similares), assim que os seu pais o passaram a frequentar.

    (*) nota2) uso o termo Jornalista, mas os donos dos jornais deixaram instrumentalizar-se, seja pelos politicos, seja pelas grandes corporações económicas, seja pela “crise” e deixaram de ter jornalistas que naturalmente recebem (ou deveriam receber) ordenados compatíveis e passaram a ter estagiários a receber misérias e sem capacidade de dizerem ‘não’.

    nota3) As modas vêm e vão – quantos é que disseram que “esta geração está perdida” quando em 2016, uma data de putos (e menos jovens) andaram de ‘rabo para o ar’ a “caçar” Pokemons? E quem é que ainda houve falar desses Pokémons?

  • Porque encontrei esta citação, em espanhol, referindo-se ao tão badalado copo de água, em português, pareceu-me razoável copiá-la e colá-a aqui. Sei que este não é o artigo certo para publicar esta postagem mas tenho a esperança de que de algua forma possa complementar o que aqui já li muitas vezes (Leo Leo Jamás se puede beber un vaso “con” agua. Se bebe sólo el agua, que equivale a la medida de un vaso, por tanto se bebe un vaso ‘de’ agua. El ‘de’ hace referencia a una medida de capacidad, y no al material del vaso. Jamás decimos “voy a la tienda por cartón con huevos, por un galón con leche, por una botella con aceite, por dos litros con coca”.

    Siempre se dice “de” porque estamos haciendo referencia a una medida de capacidad.)

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