Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O Facebook afasta-nos das pessoas que não pensam como nós?

soap-bubble-824564_1280Há uns bons anos, íamos a uma festa dum amigo e lá tínhamos um tio bonacheirão, simpático, a dizer umas piadas e a mandar umas bocas. Riamo-nos todos e, no fim, íamos embora a simpatizar com essa figura mais velha. Pois, hoje em dia, é bem possível que esse tio escreva no Facebook. E é bem possível que sejamos confrontados com as ideias dele sobre o mundo. Nem sempre ficamos muito contentes — e o mesmo dirá ele, perante as nossas ideias.

Pedi-vos para imaginar esse tio para dizer isto: não, não me parece verdade que o Facebook nos ande a encerrar em bolhas ideológicas ou a impedir o diálogo entre gente com ideias muito diferentes. O que se passa é só isto: o Facebook mostra-nos o que pensam do mundo pessoas com quem nunca nos lembraríamos de falar de política ou religião ainda há uns poucos anos.

Alguns, que viviam eles sim em bolhas de ideias sempre iguais, ficam chocados: descobriram que os seus concidadãos pensam mal, dizem coisas ofensivas e votam pior ainda. Mas será que esses que agora se chocam com o que lêem no Facebook dos «amigos» ouviam mesmo o que esses amigos virtuais diziam antes de haver Facebook? Não: simplesmente não falavam com eles e, se falassem, não falavam de certas coisas.

Parece-me a mim que o Facebook pica as bolhas onde já vivíamos, deixando-nos à vista uns dos outros — e muitas vezes não gostamos do que vemos. Mas, vá lá, pensem bem: acham mesmo que essas opiniões que vos assustam surgiram agora, do dia para a noite?

As redes sociais dão-nos de bandeja as opiniões de uma variedade de pessoas com quem, antigamente, simplesmente não conversávamos. E a verdade é que não sabemos lidar com isso. Reagimos de várias maneiras: uns acham que as opiniões são todas iguais e não se importam; outros passam a vida a disparatar e é discussão de três em pipa; outros começam a ignorar e a querer voltar para a doce bolha onde viviam antes; ainda outros tentam mudar à força as opiniões dos tios dos amigos.

É difícil navegar nestas águas tumultuosas dum mundo em que as opiniões que lemos não são apenas as das pessoas em quem confiamos ou as opiniões que já foram previamente seleccionadas por editores — um mundo em que algumas opiniões menos correctas saíram das conversas de café e de família e estão aí, à vista de todos.

Sei perfeitamente que este contacto mais frequente com as outras bolhas nos irrita, deixa-nos indignados, faz-nos cerrar fileiras… Talvez afaste pessoas que, antigamente, podiam conviver perfeitamente sem falar de política ou religião — e agora dialogam quase sem querer, porque lêem as publicações uns dos outros.

O que fazer? Bem, mesmo antes de haver Facebook já havia algumas pessoas que lidavam bem com as ideias dos outros. O que fazem essas pessoas? Ouvem os outros, não partem logo para a pedrada. Percebem que todos somos muito imperfeitos e todos temos ideias que os outros acham ofensivas. E, mesmo assim, às vezes lá partem para a luta, porque tem de ser. Será que estas pessoas existem mesmo? Não sei. Mas podemos tentar ser assim alguns minutos por dia.

Custa equilibrar a necessária tolerância (porque somos todos diferentes e não chegamos às mesmas conclusões) com a necessidade de defender as nossas ideias, pensar no mundo, não achar que tudo é igual a tudo…

Custa, mas lá nos vamos habituando — e, na verdade, aqueles que são hoje mais novos do que eu (que estão na adolescência ou nos vinte anos) já estão a crescer com esta conversa contínua e sem descanso. Talvez seja mais fácil para eles.

Só espero que eles e nós não nos esqueçamos disto: sim, as ideias dos outros às vezes deixam-nos fulos, mas também convém desconfiar um pouco das nossas próprias certezas. Se não for assim, acabamos todos nas tais bolhas novas ou antigas, que às vezes explodem com estrondo.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

Comentar

1 comentário
  • Pois eu já não tenho paciência para tantos filmes de gatinhos e tantos gatinhos a precisar de uma familia carinhosa nem de tantos gatinhos a fazerem festinhas a cãezinhos… etc

    Ou seja, para cada pessoa que tem ideias diferentes das nossas, há 20 que se limitam a pôr coisas perfeitamente inóquas que acabam por “ocupar” espaço.

    Que o face também (ou sobretudo) serve para descontrair? É claro que sim 🙂

    E se todos concordassem comigo, ninguêm escrevia “mau português” porque o português escrito seria o meu e o meu é o português perfeito

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