Pensem em países com várias línguas: por exemplo, a Espanha e o Canadá.
O que se faz nestes casos?
Bem, em Espanha, uma das línguas é considerada a principal. As outras são brincadeiras lá das regiões. Os bascos, catalães e galegos podem falar as suas línguas, mas têm o dever (constitucional) de aprender a língua nacional. Nada contra esse dever, mas o contrário não acontece: os que falam castelhano estão safos de aprender outra língua de Espanha que não seja a sua.
No Canadá, as duas línguas são ensinadas a todos e usadas a nível federal. São consideradas ambas línguas nacionais e a ambas é dada a dignidade de Estado que leva a que o primeiro-ministro canadiano fale também em francês quando vai aos E.U.A. (vejam o seguinte vídeo, a partir do minuto 9:40).
Repare-se que até Obama diz «Bonjour» logo no início.
Agora imaginem Mariano Rajoy a falar em galego numa visita de Estado ao México (seria uma situação comparável, se virem bem). Imaginem ainda o presidente do México a dizer umas palavras em galego (ou em catalão) por entender ser essa uma das línguas do país do visitante…
Sim, é muito difícil imaginar tal cena. Cairia o Carmo e a Trindade (ou a Gran Vía e Cibeles).
Sim: é difícil, mas por algum motivo acho a solução canadiana mais justa e mais estável…
Pode ser que um dia a Espanha se lembre de dar a todas as suas línguas a mesma dignidade, por mais absurdo que isso possa parecer aos falantes monolingues de espanhol. Mas seria um passo de gigante para criar uma Espanha onde os sentimentos dos seus cidadãos pudessem conviver de forma mais confortável.
Respondem alguns: ora, o espanhol é muito mais útil do que o catalão! Por que razão haveríamos de lhe dar a mesma dignidade e ensiná-la a outros espanhóis?
Ora, porque nisto das línguas nacionais a utilidade de cada uma não é o mais importante. Afinal, o francês é falado por 20% dos canadianos e é, por isso, menos útil do que o inglês. Mas que importa isso? É a língua de parte dos canadianos e isso é reflectido no valor igual que lhe é dado a nível federal.
É verdade que em Espanha há mais línguas do que no Canadá e que o caso canadiano está longe da perfeição (e que o francês tem um prestígio internacional que ajuda muito). Mas todo este problema linguístico de Espanha tem também a ver com uma certa atitude do Estado — e alguns pequenos passos seriam importantíssimos. Por exemplo: Espanha podia não proibir o uso das línguas de muitos espanhóis no parlamento que os representa… Nem estou a falar de incentivar. Estou a falar de não proibir.
ADENDA
Duas notas, na sequência de comentários que recebi ao artigo:
- José Negro e Enrique Granados lembraram-me, no Facebook, que é possível falar noutras línguas no Senado espanhol e já foi permitido (como excepção…) usá-las no Congresso. Até Espanha se move, o que é bom. Mesmo assim, tendo em conta os milhões de cidadãos que falam outras línguas em Espanha, estamos longe da situação canadiana.
- Várias pessoas lembraram duas coisas: que o Canadá tem outras línguas a que não dá a mesma dignidade e que mesmo Portugal tem outra língua. Hei-de falar do assunto de novo, em relação a Portugal (e talvez ao Canadá). Fica o assunto em suspenso, até muito em breve, espero. Digo apenas (não consigo resistir) que devemos olhar para a vontade política das comunidades que falam as línguas.
Não sou linguista, filólogo, nem de nenhuma área que se lhes compare!
Reparo que, também noutros “Posts”, refere o espanhol como “Língua”…
Sou ignorante – embora curioso – nestes assuntos mas, aprendi que, em Espanha, a língua oficial é o Castelhano! Se isto se mantém correcto, fará sentido referir-se, num local erudito como é este seu Blog, a uma língua espanhola?
Apenas a curiosidade científica me leva a fazer este comentário que, ansioso, espero ler a sua opinião.
João Frias Pinto
Caro João Frias Pinto: muito obrigado pela mensagem e pelo interesse por este blogue. Há uns tempos discuti essa questão no artigo que está em https://certaspalavrasnet.wpcomstaging.com/afinal-diz-se-espanhol-ou-castelhano/. As duas palavras (“espanhol” e “castelhano”) são usadas como sinónimo. P governo espanhol tende a preferir o termo “espanhol”, apesar de a própria constituição de Espanha referir o “castelhano” e não o “espanhol”. Em Portugal, usamos ambas as palavras. Existe uma situação comparável com o uso das palavras “neerlandês” e “holandês” (a segunda é muito mais comum, mas a primeira também existe).
Peço desculpas por opinar mas no próprio Instituto Cervantes que é como os senhores saberam/saberão o máximo órgão e equivalente ao Instituto Camões, os diplomas que se oferecem som de Espanhol como no Camões som de língua portuguesa. Entom do meu ponto de vista o senhor Marcos é muito preciso ao se referir ao castelhano como espanhol de facto para mim é uma imprecisão o se referir por espanhol às outras línguas (como catalão ou basco ) por exemplo o basco como espanhol pois está língua existia mesmo antes da chegada dos romanos e da divisiom da Hispânia
Você é um valente senhor obrigado
Marco, li que o mirandês é falado em três ou quatro aldeias do concelho de Miranda do Douro e atualmente ensinado como língua oficial nas escolas de Miranda. Dada a sua pouca representatividade ao nível do país, ainda assim considera que seria justo dar-lhe mais dignidade, pondo os portugueses a falar as duas línguas? Não me vejo a estudá-la, mas gostava de saber a sua opinião sobre o assunto. Obrigada.
No caso de Espanha, estamos a falar de língua faladas por percentagens muito significativas da população, uma delas na segunda cidade (Barcelona). Defendo que não devem ser os números só por si a ditar o estatuto das línguas, mas não deixa de ser uma situação muito diferente do mirandês (que mesmo assim foi reconhecido oficialmente e até pode já foi usado no nosso parlamento). Tentarei escrever um texto um pouco mais desenvolvido com a minha opinião sobre os diferentes casos. Obrigado!
Madrid, Barcelona, Bilbao e Santiago de Compostela.
Como funciona a Suiça? Como funciona a Bélgica? No caso Jugoslavo, a coisa deu completamente para o torto. No caso Espanhol (e Belga)… há vontade de dar para o torto.
A Suíça funciona bem, tanto quanto sei. A Bélgica já tratou pior as suas línguas, ignorando que grande parte da população (a maioria!) falava holandês. Hoje já reconhece ambas as línguas (e ainda o alemão), mas digamos que os estragos foram muitos (e agora há exageros no sentido contrário). Na Jugoslávia, o problema parece-me ser diferente: o estatuto das línguas não foi a origem das tensões nacionalistas que por lá explodiram. Isto, claro, de forma rápida, que a questão é mesmo muito complexa 🙂
Creio que “neerlandês”, que referes lá para cima (podemos tratar-nos por tu, não podemos?), costuma ser usado como um termo mais neutro (principalmente pelos belgas, acho) para referir a língua falada na Holanda com o nome de holandês e na Flandres com o nome de flamengo.
Mais ou menos como se galegos e portugueses (+CPLP toda, menos a Guiné Equatorial 🙂 ) usassem um mesmo termo para designar o que falam…
«Tu», claro! 🙂
Amigo Marco Neves, como sempre fazes nestes teus artigos, estás a dar no alvo. A maneira de sermos acolhidos e respeitados de uma outra maneira no conjunto da Espanha é claro que tinha de ser também através dos gestos . Dar cabida ao galego, por exemplo (e ao catalão e ao basco), nas duas câmaras repesentativas do Estado, que o nosso rei (e o nosso chefe do governo) estenda o uso protocolar destas línguas nos seus discursos ou que estas três línguas possam fazer parte do currículo do ensino de todas as comunidades autónomas espanholas, seria tanto como dar um passo de gigante. De resto, as nossas três línguas, como estás a dizer, não deixam de ser brincadeiras, desde que para o espanhol é o dever o que impera, enquanto para as restantes é apenas o direito, por vezes até de má vontade admitido. Finalmente, além do mais, é o catalão o que em melhores condições está hoje dos três, mesmo com presença —por mais que testemunhal— em foros, em informações turísticas, etc. pela Europa fora.
Para comparares a situação na Espanha do espanhol, galego, basco, catalão, aragonês, leonês/asturiano e aranês com a situação do Canadá deverias incluir as línguas indígenas dos índios e inuit…
E na Espanha a situação de várias das línguas regionais minorizadas parece-me bastante mais saudável do que a das línguas indígenas do Canadá. Ou do que a das línguas regionais minorizadas lá dos vizinhos franceses…
Sim, é verdade: reconheço que a situação em Espanha até é mais saudável se a compararmos com as línguas indígenas do Canadá. E então em comparação à França…
Mariano Rajoy, um grande:
https://www.youtube.com/watch?v=SB7Hpp_mCs0