A língua que falamos consegue despertar paixões imensas. Que o digam os espanhóis…
A verdade é que nós, deste lado da raia, embora acreditemos ser povo de brandos costumes (tem dias), quando nos aparece uma oportunidade para lutar por causa da língua, lançamo-nos ao ringue sem hesitar — e nem pomos as luvas.
O Acordo Ortográfico é uma dessas oportunidades. Mais do que debates sensatos sobre a questão, o que muitos gostam é de declarações bombásticas, insultos sem piedade, certezas para lá de absolutas.
Já assisti a muitas demonstrações de fundamentalismo ortográfico da parte de quem combate o Acordo Ortográfico. Já descrevi um caso neste artigo: parece haver quem julgue preferível ficar sem trabalho do que escrever usando o tal Acordo («O prazer de ser radical na questão do Acordo»). Lembro-me sempre do Diácono Remédios, a benzer-se de cada vez que tem de dizer a palavra «comunista» (ou outra do género).
Pois, hoje, assisti a uma demonstração de fundamentalismo ortográfico do outro lado.
Como talvez já tenham reparado, escrevo este blogue usando a ortografia pré-Acordo. Não faço alarde disso e reservo-me o direito de usar a orthographia que bem entender. Adoro lyrios e gosto de pharmacias. Se me apetecer escrever assim ou assado, paciência. Este blogue é um passatempo pessoal, não me parece que tenha de me impor extensas análises jurídico-linguísticas para chegar a conclusões quanto à ortografia que devo usar.
O que se passou hoje foi o seguinte. O blogue é seguido por e-mail por muitas centenas de pessoas. Uma vez por outra, há quem desista, o que é natural.
Pois, hoje, recebo uma dessas desistências, com a seguinte explicação:
Ao ler o referido blog, percebi, que a ortografia é de português de Portugal, não respeitando o Acôrdo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado com o Brasil. Não me servindo.
Sorri. Parece haver quem se recuse a ler textos que não sigam a exacta norma ortográfica que preferem. Por mim, tudo bem: como disse, escrevo na ortografia que quiser e quem me lê fá-lo enquanto bem entender. Se a ortografia que uso irritar alguém, não posso fazer nada e peço apenas que deixe a porta aberta quando sair.
Para mais, não me parece que alguém com este tipo de atitudes ganhe muito em ler este blogue em particular. Porquê? Porque aqui tento defender que estejamos atentos às línguas que rodeiam a nossa própria língua: que os portugueses leiam mais em português do Brasil, em galego, mesmo em espanhol e por aí fora por esse mundo latino que só acaba ali às portas da Ucrânia, na pequenina Moldávia.
As línguas que estão à nossa volta (em termos linguísticos) são línguas que conseguimos ler com mais ou menos dificuldade, mas que não representam barreiras instransponíveis à compreensão. Com um pouco menos de preconceitos e algum esforço (e um ou outro saboroso engano), o que sabemos da nossa própria língua serve para ler muita e boa literatura das línguas vizinhas.
Ora, o que dirá disto quem se recusa a ler textos porque seguem uma ortografia ligeiramente diferente? Ficará horrorizado, certamente.
A verdade é que parece ser impossível escapar a esta característica humana: tudo serve para criar tribos e tudo serve para inspirar fundamentalismos.
Haverá quem nos acuda?
Marcos Neves.
Estou contigo e não abro.
Continue a nos brindar com seus tão lúcidos artigos.
Adoro seu jeito de escrever. Quem não gostar que “deixe a porta aberta quando sair”.
Brilhante!
Abrçs
Persis
Caro leitor, acuso a receção da sua manifestação de desistência devido a factos relacionados com a utilização do Acordo Ortográfico neste blogue, o que me parece razoável. É natural que estranhe a grafia que uso nesta mensagem, mas é a recomendada pelo dito acordo para uso em Portugal, a qual apresenta algumas diferenças com a recomendada para o Brasil.
Uma nota: o acento circunflexo que colocou na palavra acordo, foi abolido no Brasil nos idos de 1971 e em Portugal, em 1945. Também o aconselho a rever a pontuação, que apesar de não ser um aspeto estritamente ortográfico, pode tornar a comunição bem menos clara do que as variações que cada palavra toma ao sabor de quem a escreve.
Sem mais,
Nós brasileiros misturamos pronomes e pessoas ao falar, mal e porcamente se policiando (alguns) quando escrevemos, sem contar nossa cultura mais influenciada pelo que se passa lá em cima nos states que no nosso quintal hispânico portanto não será um f, ph, til ou outros menos votados que dificultarão nosso entendimento mútuo, continue escrevendo como lhe apetecer pois amamos o seu blogue ou blog ou blogui ou sei lá que nome tenha!!!!
A LÍNGUA EXISTE PARA QUE POSSAMOS NOS COMUNICAR E INTERAGIRMOS UNS COM OS OUTROS. HÁ OS QUE A TEM COMO INSTRUMENTO DE STATUS, OU SEJA, QUEREM USÁ-LA PARA DEMONSTRAÇÃO DE CIENTIFICIDADE. ADOREI ESSE BLOG, ESTÁ ACORDADO COM A SOCOILINGUÍSTICA QUE TRATA TODAS AS VARIEDADES SIMPLESMENTE COMO MODO DIFERENTE DE SE PRONUNCIAR.
Sobre o leitor brasileiro citado, como dizemos no Brasil, quem sai perdendo é ele!
Faz 3 anos que esse texto foi escrito, mas só descobri seu blog agora. Fiquei encantado e feliz de ler seus materiais e já estou pensando em usá-los nas minhas aulas de português e de literatura portuguesa. Parabéns pela lucidez, clareza e sabedoria na hora de escrever para este blog!
Abraços do Brasil,
Walter