Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Guterres e o talento para as línguas dos diplomatas portugueses

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As notícias sobre a recomendação de Guterres como novo secretário-geral das Nações Unidas foram muitas e em várias línguas. Encontrei um curioso texto no El País («Otro triunfo de la diplomacia portuguesa») em que a competência dos diplomatas portugueses é elogiada de tal maneira que, na pena dum português, seria um texto constrangedor.

Um dos parágrafos pareceu-me muito curioso (o negrito é meu):

Pero hay otra cualidad, no menor, que permite a este pequeño país distinguirse en el mundo: su educación lingüística. No hay dirigente portugués que no hable inglés y español, por lo menos. El citado Barroso, como Guterres o como los actuales dirigente del país, el presidente Rebelo de Sousa y el primer ministro Costa, se mueven con total comodidad en los escenarios internacionales gracias a su don de lenguas. No necesitan intérpretes para hablar con Merkel, Hollande o Teresa May. En seis meses, Rebelo de Sousa ha departido cara a cara con más dirigentes internacionales que Rajoy y Zapatero juntos en sus años de Gobierno. Esa cercanía, esa afabilidad con todos, sin prepotencias y sin menosprecios, al final acaba dando sus frutos.

Parece-me haver aqui uma generalização que, lá por nos ser muito simpática, não devemos encarar sem algum cepticismo. Mas vamos assumir que sim, que os portugueses têm um à-vontade com as línguas em grau muito superior aos espanhóis. Tenho uma ideia, não mais do que uma teoria malpensada, que me leva a sugerir isto: os espanhóis exageram na importância diplomática que dão à sua língua. Sim, o espanhol é falado em muitos países, é uma língua muito importante nos E.U.A., é a segunda (ou talvez a primeira) língua europeia mais falada no mundo. Tudo isso é verdade, mas não se traduz em importância diplomática. E para mudar isso há que saber falar outras línguas…

Nós por cá também gostamos de ir atrás de declarações sobranceiras sobre a importância da língua, como sabemos. Mas também é verdade que a nenhum líder português lhe passa pela cabeça exigir aos outros líderes mundiais que saibam português. Ficamos contentes se souberem alguma coisa, mas não achamos que é sua obrigação. Ora, talvez se dê o caso de muitos líderes espanhóis, embebedados pelo discurso superlativo com que falam sempre da sua língua, estejam mesmo convencidos que os outros líderes mundiais têm de saber espanhol.

Bem, e será que deviam saber? Como sempre digo, isto de aprender línguas, ainda por cima uma língua como o espanhol, só faz é bem. Mas a realidade, para já, é esta: o inglês e o francês são as línguas da diplomacia. A força do número de falantes de cada língua conta muito menos do que se pensa. Assim, o político ou diplomata espanhol que não saiba falar bem outras línguas nos corredores da política internacional acaba por ter mais dificuldades em defender o seu país. É caso para dizer: será que defende mais o seu país quem inventa um mundo inexistente em que a sua língua é muito mais importante do que é na realidade — ou aquele que sabe mover-se no mundo de hoje, talvez semeando alguma coisa do mundo que gostava de ter?

Enfim, é uma reflexão perigosa, porque começa numa generalização, passa por uma teoria muito minha e talvez acabe muito longe da realidade. Mas se houver algum fundo de verdade nisto tudo que acabei de escrever, também pode explicar a confusão que muitos espanhóis sentem perante a defesa por parte de alguns dos seus concidadãos das línguas minoritárias de Espanha. Então mas por que razão não querem falar uma das línguas mais importantes do mundo? A verdade é que querem sim senhor: falam espanhol e também a sua língua. E por vezes ainda o inglês, o francês, etc. Surpresa, surpresa: saber uma só língua não é uma vantagem em sítio nenhum do mundo. Um galego que saiba espanhol e galego já vai um passo à frente…

Bem, dito tudo isto, tenho de afirmar o óbvio: o espanhol é uma língua importantíssima e, para vos dizer a verdade, uma das minhas paixões neste mundo das línguas e das culturas. E também admito: se acima me queixo da forma como muitos espanhóis imaginam uma importância diplomática que a sua língua não tem, também me custa ver como tantos fora de Espanha desvalorizam essa mesmo língua. Basta pensar nos E.U.A., onde a segunda língua do país é vista por muitos como uma língua estrangeira, alimentando discursos xenófobos sob a capa do patriotismo americano. E basta pensar na recusa de muitos portugueses em saber mais sobre a língua e a literatura dos vizinhos, para lá do portunhol de praia. Temos tanta e tão boa literatura aqui ao lado e não queremos saber…

Mas este texto vai neste sentido: a convicção legítima da importância da sua língua não deve servir para encerrar os falantes de espanhol num triste mundo monolingue. Na diplomacia, por exemplo, isso dá mau resultado, como reconhece o El País. E não é só na diplomacia: na vida do dia-a-dia, na literatura, na cultura, no comércio…

E fica aqui uma pista para outro dia: os ingleses e os americanos são outros dos povos que sofrem deste triste monolinguismo, uma espécie de preço a pagar pela importância internacional da sua língua…

Este problema nós por cá não temos — isto, claro, segundo o El País. Agora também não quer dizer que não tenhamos muito a aprender no que toca às línguas. Oh, se temos!

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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10 comentários
  • Excelente comentário de quem elegia os falantes portugueses de línguas de outros povos, designadamente: inglês, francês, alemão (juristas e médicos) e espanhol, no campo diplomático. Os portugueses do mundo actual, têm um Q.I. igual ou superior ao de outros povos mais avançados, em termos civilizacionais. Poderíamos ser um País, embora de pequena dimensão, muito evoluído, se, porventura, as gerações anteriores, tivessem acesso ao ensino secundário. Porém, para os responsáveis políticos e para a Igreja Católica, bastaria saber ler, escrever e contar. Daí o nosso atraso civilizacional, em todos os sentidos. Espanta-me, por vezes, quando me desloco a Espanha, os nossos “hermanos” não se esforçarem para nos compreender. Não é de agora. Na década de 60 tinham a mesma postura. Será que têm um conceito de superioridade ? Na altura governavam os países dois ditadores: Franco e Salazar, com as mesmas ideias. Porém, a Espanha estava mais desenvolvida do que Portugal.

  • Reflexões interessantes mas que não abordaram o verdadeiro problema do falante espanhol que se propõe aprender outras línguas : a fonética do castelhano não o favorece como a nós a do português. Temos uma língua muito mais rica foneticamente o que nos permite distinguir e reproduzir mais facilmente fonemas alheios. Perguntem a um espanhol se consegue distinguir avó de avô… ele ouve a mesma coisa! Idem com para e pára.
    Mas o espanhol é uma língua extrordinaria não tenho dúvidas…. e também uma das minhas paixões.

    • Cara Matilde, sou galego e posso afirmar, sem muito temor a me enganar, se tratar de uma questão de atitude. O inglês tem uma riqueza vocálica imensa e poucos ingleses e norte-americanos têm lá muita vontade de aprender línguas.

  • Os dois leitores acima não perceberam que o autor não corrobora a hipótese de que os portugueses tenham mais talento para aprender outras línguas que qualquer outro povo. Têm talvez mais abertura para as aprender, ou mais necessidade disso. Essa do QI mais alto que o de outros povos avançados é outra bobagem rematada: nem mais alto nem mais baixo. O menor desenvolvimento comparativamente ao de outros povos deve-se mais às instituições portugueses que a quaisquer outros fatores.

  • A minha teoria é a de que nem os filmes nem as séries televisivas ERAM dobrados. O que significa que os ouvidos portugueses ficaram desde muito cedo com os sons das outras linguas dentro dos ouvidos e dos cérebros, permitindo-lhe muito mais fácilmente a aprendizagem.

    Ouvir um espanhol ou um francês a falar inglês (eu sei que é uma generalização, mas é uma generalização válida) é atroz. O seu sotaque é tão cerrado que se nota à distância que a sua lingua original é espanhol/francês.

    O “eram” está em letra grade propositadamente. Os filmes de desenhos animados (e os canais Panda/CartoonNetwork/Disney Chanell) agora são todos dobrados. isso, na minha opinião, embora facilite a sua visibilidade pelos putos, irá prejudicá-los (e por arrasto, o “país”) no futuro.

  • a dificultade dos habitantes do estado español en aprender linguas extranxeiras xa era ben coñecido no século XVI e era muito dificil atopar un traductor tamen nos seculos XVII e XVIII. A fonética do castelhano ten muita influencia da lingua vasca (o euskera) e por medio da televisión, a escola obrigatoria en castelhano e mais as prohibicións de uso das outras linguas do estado espanhol fixeron que as comunidades con lingua propia foramos esquecendo pouco a pouco o noso sotaque orixinal.
    O tema da dobraxe de filmes tamen foi moi importante.
    Para por fin a isto pola minha parte para min e muitos mais sería melhor non falar de “espanhol” mais si de castelhano (ou castelan o castelao en galego) e non estou a falar de dialectos fermosos coma o mirandés senon de linguas con historia e literatura importantes coma polo seguinte orde o catalán, o galego e o euskera.

  • Os espanhóis sobrevalorizam a sua língua. Mais, polo menos, todos se orgulham de que a sua língua seja falada em moitos países. Sim, todos. Até agora nunca conhecim a um espanhol que preferisse que a sua língua só se falasse na Espanha. Daí que critiquem tanto ao idioma catalám.
    Por isso, a nós nos custa tanto entender que haja alguns portugueses que nom gostem de que a sua língua seja uã das mais faladas do mundo. Simplesmente, nom comprendemos isso.

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