LIVROS NA BAGAGEM. CAPÍTULO 7.
De como um escritor espanhol escreve um romance, encontra as personagens, escreve outro livro sobre toda essa confusão e acaba coroado rei duma ilha das Caraíbas.
Sei perfeitamente onde foi o nosso primeiro encontro — não estou a falar da minha mulher nem de nenhum antigo amor (foram poucos, mas não me queixo). Estou a falar, isso sim, dum autor muito especial, que poucos conhecem porque tem aquele defeito que poucos leitores portugueses perdoam: é espanhol.
O autor é Javier Marías e a primeira vez que o vi foi na Fnac do Chiado, já lá vão muitos anos, e tinha este aspecto:
Estes anos todos depois, reparem bem nas manchas na pele, que a idade não perdoa:
Pois bem, mal sabia eu em que labirinto ia entrar… Este romance (?) não é exactamente um romance, nem uma crónica, ou talvez seja antes um post dum blogue sobre livros um pouco sobre-dimensionado. Aliás, é um livro sobre livros do próprio autor. <suspiro intelectual>Ai, a auto-referencialidade dos autores pós-modernistas!</suspiro intelectual>
Pois bem (e já vamos no segundo “pois bem”), o que este livro conta são as peripécias do autor na sequência da publicação dum outro livro seu, anos antes, que relata a vida dum professor espanhol em Oxford, com uma série de personagens curiosas e um pouco ridículas, livro esse de que falei há dois capítulos:
Sim, Todas las almas passa-se em All Souls. O professor espanhol é professor de tradução, como se vê.
Adiante.
O certo é que vários professores e ex-colegas de Javier Marías — que como já devem ter percebido foi professor (e espanhol) em Oxford — e professor de tradução… — acharam que aquelas personagens eram, vejam só a desfaçatez, eles próprios.
Vêem-se enfiados num romance — e nada é mais literário do que ter personagens de carne e osso a pedir contas ao autor (e ex-colega).
E, assim, Javier Marías, quando volta a Oxford, vê-se envolvido num enredo curioso, enredo esse que, to cut a long story short (em português: “para despachar que isto já são horas”)…
(preparem-se, que desta não estão à espera…)
… termina com a sua coroação como Rei de Redonda, uma ilha nas Caraíbas.
Exacto. E não pensem que é mentira (vejam o artigo wikipédico).
Pronto, é verdade: Javier Marías é apenas um dos pretendentes ao trono, mas é um pretendente com pergaminhos literários impecáveis. E é um rei que aproveita para oferecer condados e títulos de nobreza em geral a pessoas insuspeitas como António Lobo Antunes, Ian McEwan… Desta monarquia, todos nós gostamos.
O livro — Negra espalda del tiempo — é muito bom. Não julguem que vão encontrar literatura levezita, que o Javier Marías é uma espécie de Lobo Antunes. Mas um Lobo Antunes muito brincalhão e com a mania que é rei.
Nesta misturada toda, claro que a ficção e a realidade ficam um pouco confundidas, e por isso não espanta que o início de Negra espalda del tiempo seja este:
Já não leio este livro há muito tempo. De repente, apetece-me pegar nele outra vez…
Se passarem pelas Caraíbas, mandem cumprimentos ao rei Marías.
Para se orientarem, fica um mapa. Redonda está no canto inferior esquerdo.
Cal é o probrema de ser espanhol pros portugueses?
Infelizmente, os portugueses lêem pouco autores espanhóis.