Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Homero, Shakespeare e a Guerra das Estrelas

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Já ouviram falar de Homero? Da Ilíada? Da Odisseia? E de Shakespeare? De Hamlet, de Macbeth?

Claro que sim! Mesmo que nunca tenham lido as obras, conhecem nomes e situações: a beleza de Helena, a indecisão de Hamlet, a crueldade de Lady Macbeth, o Cavalo de Tróia — e por aí fora.

theatre-91882_640Essas histórias da Grécia Antiga e da Inglaterra de há uns séculos tornaram-se parte da nossa cultura comum.

Ora, estas obras não começaram como livros lidos por poucos, mas antes como histórias contadas a muita gente: Homero compilou histórias que circulavam entre os gregos (se é que Homero existiu, mas isso são outros quinhentos) e Shakespeare pegou em fiapos de enredos que ouviu aqui e ali, casos por vezes fortes e sangrentos, histórias de amor assolapado… — e a partir disto criou peças de teatro vistas por imensa gente, como entretenimento, nessa Londres de há uns séculos.

Ora, o que temos hoje que possa vir a ser o material das histórias que todos iremos conhecer daqui a uns séculos ou daqui a um ou dois milénios?

Estou convencido que Homero e Shakespeare permanecerão, para lá de todas as previsões apocalípticas dos pessimistas do costume.

Mas, para lá de Homero, de Shakespeare e de tudo o que faz parte da nossa cultura comum, algumas das histórias que hoje parecem superficiais e modas mais ou menos passageiras podem vir a ser o material de que se faz a cultura do futuro.

toy-930612_1920A saga da Guerra das Estrelas é uma hipótese. Foi vista por imensa gente — e nisto dos mitos a quantidade é também importante —, as suas histórias têm qualquer coisa que bate fundo na natureza humana, têm aquela força que nos deixa o coração a palpitar e já são, como é fácil de perceber, um pouco mitológicas.

Ou seja, a Guerra das Estrelas pode muito bem vir a fazer parte das histórias repetidas vezes sem conta pelas gerações de seres humanos — pode vir a ser parte da cultura comum do nosso mundo.

Sim, é verdade que são histórias que parecem menos sérias do que as histórias de Homero e Shakespeare — mas não será isso efeito dos muitos séculos que estas últimas levam em cima? Ou mesmo, talvez, consequência de as termos aprendido na escola.

Quem sabe se as escolas do futuro não andarão a ensinar os mitos e personagens dessa galáxia muito, muito distante…

Sim, pode parecer absurdo que daqui a uns 3000 anos estejamos a falar de Han Solo e Darth Vader como hoje falamos de Aquiles ou Heitor — ou até de Helena e do Cavalo de Tróia. Mas não é impossível: também essas histórias antigas pareciam banais quando eram contadas, de geração em geração, na Grécia Antiga.

Sei que há algumas almas mais sérias que estarão agora a benzer-se, horrorizadas. Podem não conceber a hipótese de que os filmes-pipoca venham a ser recordados daqui a uns séculos. Mas a cultura dos seres humanos, essa invenção magnífica e caótica, nunca nos pára de surpreender.

Enfim, logo veremos — ou melhor, não veremos, que já cá não estaremos. Serão os nossos tetranetos a tirar teimas, neste caso particular.

(Vá, sigam para o cinema e boas pipocas — depois contem como foi o filme, que ainda não o vi.)

Adenda

Um dia depois de escrever este artigo, descubro que a The Economist publica esta semana um artigo sobre «Star Wars, Disney and myth-making». Um dos subtítulos é «From Homer to Han Solo». Ainda dizem que não há coincidências!

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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