Sim, há por aí muito medo da ambiguidade. Às vezes, é justificação para atacar uma boa regra da língua portuguesa. Outras vezes, serve para atacar uma frase real porque podia ser ambígua num universo alternativo.
Vou explicar-me com um exemplo concreto: encontrei há pouco, no Facebook, quem criticasse o título «Restaurante de José Avillez no Porto vandalizado» (no Observador).
Não é o título mais elegante — atrevo-me até a chamá-lo de infeliz, coitadinho. Mas, mas… Será ambíguo? Foi esse um dos argumentos de quem criticou a frase: estava errada porque podíamos interpretá-la de duas formas distintas.
Quais? Numa primeira interpretação, foi o restaurante que foi vandalizado. Numa segunda interpretação, foi o Porto que foi vandalizado.
Só que não. Não estamos num mundo em que um jornal abra uma notícia a falar dum restaurante que por acaso existe numa cidade vandalizada.
Ou seja, a ambiguidade é formal, inventada à pressão para justificar a impressão de que o título está errado.
Ora, meus caros: não, não. Tal como dizer «a gente vai almoçar» não é ambíguo no mundo real, também aquele título não é ambíguo. Mesmo exemplos muito verdadeiros de ambiguidades reais — «O João falou com a Maria sobre o seu carro.» — dificilmente são ambíguos na vida real, vida essa em que sabemos, quase sempre, se o carro é do João ou da Maria… Aliás, tanto é assim que aquele «seu» nem lá estará, na vida real da língua. Dizemos que o João falou com a Maria sobre o carro — e ninguém fica a pensar sobre o assunto mais do que dois segundos.
Por isso, não, aquele título não é ambíguo: é só esquisito. Ah, se escrever bem fosse só caçar ambiguidades…
Na minha opinião, falta uma virgula entre “Porto” e “vandalizado”
Sim, concordo (serviria para marcar a falta da palavra “foi”). Ou então podíamos trocar a ordem das palavras: “Vandalizado restaurante de José Avillez no Porto.” Mas, na verdade, nos títulos dos jornais as vírgulas raramente são usadas, por questões práticas. Seja como for, o problema não é a ambiguidade 🙂