Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

A língua portuguesa num Portugal espanhol

Se Portugal não tivesse recuperado a independência em 1640, o que teria acontecido à nossa língua?

É muito difícil imaginar uma história alternativa, mas, olhando para as línguas minoritárias de Espanha, teria acontecido algo do género:

  • O espanhol seria usado por grande parte da população, principalmente nas cidades.
  • O português estaria preservado nas aldeias e seria ensinado no sistema de ensino desde a recuperação da autonomia, nos anos 80, depois de anos de supressão dessa antiga língua.
  • O português rural seria considerado o mais puro e correcto e o português urbano seria considerado por muitos como uma variedade impura e espanholizada da língua.
  • O português sentiria pressão da língua espanhola em termos fonéticos e ortográficos: falaríamos com um sotaque com muitas interferências castelhanas e, quem sabe, utilizaríamos o «ñ».
  • Haveria, possivelmente, uma luta de ortografias, entre a ortografia mais espanholizada e a ortografia que iria beber ao que Camões e outros autores do Portugal independente de antanho tinham escrito. Em nenhum caso teríamos uma ortografia parecida com a ortografia modernizada de hoje em dia, criada por decreto em 1911 (e alterada várias vezes a partir daí).
  • O Brasil teria optado por deixar de lado o nome de «português» e diria alto e bom som que a sua língua é o brasileiro. O português seria uma língua menor, uma estranha mistura de espanhol e brasileiro — pelo menos na cabeça de espanhóis e brasileiros. Muitos chamá-lo-iam de «dialecto».
  • Muitos portugueses veriam a ligação ao Brasil como forma de marcar a diferença e diriam que, no fundo, os brasileiros falam português, embora os brasileiros achassem tal ideia um disparate completo. Muitos nem sequer sonhariam que em Portugal se fala uma língua com fortes ligações ao brasileiro.
  • Haveria, certamente, um movimento nacionalista português, com sectores independentistas com maior ou menor força. Esse movimento faria do português uma bandeira.
  • Socialmente, as classes urbanizadas veriam o espanhol como essencial para a vida profissional e o português como um resquício algo folclórico, que os seus filhos aprendem só por mania política dos nacionalistas.
  • Uma grande parte da população universitária olharia para o português com muita simpatia, protegendo-o como forma de afirmação identitária e ainda como sinal de recusa do centralismo cultural castelhano.
  • Por estes dias, algumas terras teriam tentado recuperar os nomes portugueses. «Oporto» já era, oficialmente, «Porto». A província de «La Guardia» já se chamaria de novo província da «Guarda». E por aí fora…
  • Em Madrid, o português seria encarado com o nariz torcido, como outra das línguas pouco espanholas que atrapalham a ideia duma nação espanhola unida.

Com pouca dificuldade podemos olhar para a Galiza e ver o reflexo desta história inventada. O Brasil da história acima descrita somos nós e o português é o galego da nossa vida real.

(Os mais atrevidos podem ainda imaginar que a Catalunha seria um país independente e olharia para Portugal sem reconhecer em nós uma outra nação. Quanto à língua, para os catalães, o português seria espanhol, ponto final.)

RECEBA OS PRÓXIMOS ARTIGOS
Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

Comentar

27 comentários
  • Bingo! nem que foras galego, meu! E mais podes engadir:
    Os portugueses seriam um chisquinho menos probes e os espanhois um chisquinho mais ricos.

    Além disso, pouco mais de relevância: Cristiano Ronaldo estaria a jogar no Real Madrid e o Tejo seria chamado Taxo, mas desceria igualmente emporcado.

  • “O Brasil teria optado por deixar de lado o nome de «português» e diria alto e bom som que a sua língua é o brasileiro. ” Bem, acho que já está em tempo de isso ser feito…

    • Não, ainda é muito cedo, sou brasileiro, e entendo o português de Portugal. Eu acho que nós brasileiros passaremos a falar brasileiro daqui a 1000 anos, pois até lá as nossas línguas estarão evoluídas e tornarão quase compreensíveis.

  • Os espanhois, terian moitos mas homeins e forza, os ingleses non terían pasado a dominar os mares, la capital do reino ficaria a Lisboa, falariase una mixtura do castelan e o portugues na corte e como lingua oficial, o pais seria hoxe a maior potencia do mondo….

    tudo e possivel

    Saudos cordiais….

    • Só lembrarche que con Filipe II de España (II de Portugal), e en pouco máis de 100 anos, a Corte de Lisboa xa falaba castelán. Nun período tan pequeno pasaron ao portugués ducias de palabras españolas. Tal era a presión. O pobo mandou parar.

    • Ega, porém, incorrigível nesse dia, soltou outra enormidade :
      – Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão espanhola.
      Alencar, patriota à antiga, indignou−se. O Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior que lhe mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas «um dos paradoxos do nosso Ega». Mas o Ega falava com seriedade, cheio de razões. Evidentemente, dizia ele, invasão não significa perda absoluta de independência.
      Um receio tão estúpido é digno só de uma sociedade tão estúpida como a do Primeiro de Dezembro. Não havia exemplo de seis milhões de habitantes serem engolidos, de um só trago, por um país que tem apenas quinze milhões de homens. Depois ninguém consentiria em deixar cair nas mãos de Espanha, nação militar e marítima, esta bela linha de costa de Portugal. Sem contar as alianças que teríamos a troco das colónias – das colónias que só nos servem, como a prata de família aos morgados arruinados, para ir empenhando em casos de crise… Não havia perigo ; o que nos aconteceria, dada uma invasão, num momento de guerra europeia, seria levarmos uma sova tremenda, pagarmos uma grossa indemnização, perdermos uma ou duas províncias, ver talvez a Galiza estendida até ao Douro…

      (Os Maias, Eça de Queiroz)

  • E qué passaría se a Galiza nuca se hubese separado de Portugal e Colom fose Portugués? qu tuda a America falaría portugues. cicáis?

  • Se la hipótese histórica fuese asina, anguañu los portugeses nun falarían Pertués, ensin dubia dala.

  • Se não tivesse havido 1640 Portugal seria hoje um caso em tudo igual ao da Catalunha.
    Haverá forças para tornar a Catalunha um país independente? Vamos ver.
    Em Portugal a dúvida seria a mesma.

    • O primeiro que faría España había ser esmiuzar un tempo, un Norte ruralizado e portugués que ollaría con estrañeza a aquel Roselló aló en riba…, unhas Beiras e unha Lisboa “blaveras” a odiar aos tripeiros … e un Alentexo e Algarbes alleos xa totalmente e indistinguibeis da “estoesespañadetodalavida” oficial.

  • Graças a Deus, a el-Rei Dom João IV, o Restaurador e ao povo português e brasileiro doutrora (sim, também lutamos na Restauração contra os holandeses na América e na África) a história foi outra! Mas só lamento que num futuro longínquo (assim espero) tenhamos de abdicar em algum momento do nome “português” para chamar a nossa língua.

  • Um artigo muito lúcido, decerto… Os meus parabéns, lamento não o ter lido antes.
    Faltava ainda uma segunda parte (sugestão para o Marco Neves): imaginarmos que o Algarve tivesse ficado independente já na época medieval, separado do resto do território, estabelendo e gramatizando uma ‘língua algarvia’ culta (de costas viradas ao ‘portunhol’ que permaneceu na Espanha), com uma história também de costas voltadas —descobrindo e criando países filhos tal como ‘Algarvsil’, ‘Algarvgola’, ‘Algarvbique’…
    E perguntar a nós mesmos (brincadeira): o que pensariam hoje esses ‘algarvios’ acerca dos portugueses, que ficáram na região espanhola e da sua fala atual? Saberiam a sua história real? O que diriam os seus linguistas e professores mais famosos —como o Rodrigues Capa, o Fernando Rascâncio, o Pipo Castro, o Carlo Neves…

  • O Galego e o Portugués proceden do románico antigo, teñen as mesmas raíces, por iso son tan parecidas.

  • A língua portuguesa estaria exatamente na mesma situação da língua galega, à beira da extinção.

    Portugal e a Galiza, temos (tínhamos) a mesma língua, a galego-portuguesa, o mesmo problema geográfico de periferia agrícola e não industrializada, um povo com psicologia coletiva de pouca autoestima, de falta de amor próprio e mesmo de auto ódio.
    Logo, o resultado seria o mesmo.

    Quem defende o contrário ou vive noutro planeta, ou é muito ingénuo, ou está de má-fé, a fazer o jogo dos nacionalistas espanhóis, que em Portugal se chamam iberistas.

  • Que teria passado se o filho de D. João II, Afonso de Portugal (Lisboa, 18 de maio de 1475[1] — Almeirim,[2] 13 de Julho de 1491) casado com a herdeira do trono de Castela e Aragão, não tivesse morto de uma queda de cavalo durante um passeio, em Alfange, Santarém, à beira do Tejo?
    E que teria passado se o filho de D. Manuel I, Miguel da Paz, Príncipe de Portugal e das Astúrias não tivesse morrido?
    Espanha não se chamaria Espanha mas Portugal, o português teria sido a língua da Península Ibérica e da América do Sul e do Norte, a Inglaterra e Holanda não teriam roubado as possessões portuguesas pelo mundo, e o português seria hoje a língua universal.

  • Um excelente artigo, gostei de o ler.
    Só direi,: Se hoje Portugal fizesse parte de Espanha, com certeza, todos estariamosbem melhor… Setiamos sem sombra de dúvida, um dos países mais fortes e poderosos da Europa e um grande país forte e respeitado a nível mundial!
    Quanto à língua/idioma, pouco importaria, aprendemos o que nos ensinam e se falassemos casrelhano, seria perfeitamente normal, até porque é um idioma dos mais importantes do mundo…
    Em relação ao português, penso que seria idêntico ao que é hoje o idioma galego, talvez tivesse algumas diferenças, mas acho que seriam similares um e outro.
    Uma certeza seria certa, todos nós Ibéricos, viveríamos muito melhor, em uma Península Ibérica, muito mais forte, poderosa e respeitada.
    União Ibérica, esse é o caminho que necessitamos para a nossa Península Ibérica!!

    • Acho que os “iberistas” portugueses estão doentes.
      Viva Galiza live! Antes morto do que espanhol!

  • Se, se , se… Goa seria a pátria da língua portuguesa. Brasil falaria inglês ou holandês com uns pingos de francês. Os portugueses seriam africanos ou asiáticos, índicos talvez.
    De qualquer modo era inevitável que Lisboa se tornasse a capital da Ibéria, a falar uma linguaige mais ocidentalizada que a castelhana, sem ser português mas sem ser espanhol.
    A grande perda mundial seria mesmo o Brasil e provavelmente a Argentina e o Chile para os anglo-saxónicos. E isso seria bom para a Europa Latina e para os Estados Unidos do México da América do Norte que falariam espanhol até ao Michigan.

Certas Palavras

Arquivo

Blogs do Ano - Nomeado Política, Educação e Economia