Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O mundo das línguas das estradas de Espanha

Alicante ou Alacant?

Não, este Agosto não fui a Alicante nem comprei torrões. Mas passei por placas com o nome dessa cidade. Aliás, com os nomes dessa cidade: Alicante e Alacant.

Fico sempre deliciado com aquilo que se esconde nas placas das estradas espanholas. Ora, claro, a maior parte das pessoas passa por elas como…

Ora, como o quê? Enfim, fiquemo-nos pela verdade: como turistas a caminho da praia.

Mas eu tenho esta inclinação estranha e reparo. Reparo que há regiões onde os nomes das terras são em duplicado.

Não é o caso da Catalunha, por exemplo, onde os nomes das terras já só aparecem em catalão nas placas da estrada. Na Galiza, também os nomes galegos dominam (e bem). Em Madrid e nos imensos arredores castelhanos, tudo em glorioso castelhano, por suposto.

Mas há sítios onde se duplicam, sim — por exemplo, no País Basco ou em Valência, onde muitas terras têm dois nomes. Para complicar, isto não acontece em todas as partes dessas comunidades autónomas. Em Valência, por exemplo, há zonas que usam as duas línguas, outras que apenas usam o castelhano. Alicante tem mesmo dois nomes. Em castelhano é Alicante, em valenciano é Alacant — e assim vemos em muitas placas: «Alicante / Alacant». A vida é complicada — e a Espanha ainda é mais.

Pois aqui fica um pequeno guia para quem quer ver um pouco do mundo das línguas nas estradas de Espanha.


Guia rápido das línguas nas estradas de Espanha

Catalunha

Os nomes das terras são exclusivamente em catalão. Assim, nada de «Lérida» — o nome oficial é o catalão «Lleida». Isto em toda a Catalunha. Já as indicações nas placas tendem a ser bilingues: «port» e «puerto», por exemplo — ou «sortida» e «salida». Por vezes, aparecem numa placa em espanhol e na seguinte em catalão — há meses, ao passar numa auto-estrada catalã, lembro-me de ter visto uma placa a anunciar a próxima «sortida» e logo a seguir outra a anunciar a próxima «salida». Haverá ainda diferenças entre as estradas do Estado espanhol e as estradas mantidas pela governo da Catalunha. (Já agora, que falamos no assunto, reparem no tipo de letra das placas: tende a ser ligeiramente diferente do usado no resto de Espanha. São as marcas de identidade nos pormenores…)

Galiza

A toponímia é já exclusivamente galega e por isso o nome daquilo que os portugueses, teimosamente, chamam «La Coruña» é mesmo, oficialmente, «A Coruña». Notem aqueles que por lá se atreverem as placas que anunciam a «Red de Carreteras del Estado» e, logo por baixo, «Rede de Estradas do Estado». Sim, assim mesmo, em port… galego!

PASSEIG MARÍTIM
Baleares
IBIZA

Nunca lá fui (mas gostava). Andei agora uns dois minutos (não tenho tempo para mais) a visitá-las através do Street View para ver placas da estrada (sim, há cada maluco neste mundo…). Tentei, mas não encontrei nenhuma em espanhol. Só setas a indicar o «port» para ali, «Eivissa» para acolá. Ibiza? Isso nas estradas não existe. (E ainda há quem passe por lá e nem repare.Mas por lá tem explicação: são bebedeiras, senhor!)

Valência

Ah, a complexidade tremenda da situação linguística de Valência! É capaz de deixar um linguista acordado toda a noite. Por lá, falam-se várias formas daquilo que nós por cá chamamos catalão. Mas na região a língua chama-se «valenciano», que é a forma tradicional e histórica — e a única oficial. Os catalães aceitam bem esse facto, mas já não aceitam assim tão bem que alguns valencianos insistam que valenciano e catalão são duas línguas separadas.

Enfim, já li textos tanto em valenciano e em catalão e parecem-me a mesma língua, mas quem sou eu? Não deixa de haver diferenças: a «sortida» catalã em terras do sul é «eixida» em Valência (é um exemplo).A própria conjugação verbal tem as suas particularidades — mas isso acontece em tantas outras línguas, não é verdade?. Enfim, aceitar ou não a unidade da língua catalã/valenciana é uma questão política (e não serão todas estas questões essencialmente políticas?).

ELXELCHE

Nas estradas (que é o que me interessa hoje) vemos algumas terras exclusivamente em castelhano (Torrevieja, por exemplo), outras exclusivamente em valenciano e ainda terras com dupla personalidade, bem espelhada nas placas. E repare ainda quem estiver com paciência para isso: em certos sítios (que não nas auto-estradas, claro) as placas em espanhol estão corrigidas à mão. Por exemplo, cheguei a ver a placa a dizer «Crevillente» com o último «e» riscado. Para mudar a língua ao nome, entenda-se. (Esse fenómeno de correcção de placas vê-se em muitos outros sítios.)

País Basco
DONOSTIA
PONTE

Ah, este tema merecia um artigo inteiro, não é? As localidades bascas podem ter um nome único ou então um nome duplo. O mais conhecido será Donostia / San Sebastián. Até há pouco tempo, o nome oficial era Donostia-San Sebastián — assim, com hífen. O nome oficial era sempre assim, em qualquer uma das línguas. Em 2012, o nome mudou para a versão com barra, indicando que podemos usar uma versão ou outra dependendo da língua do texto. «Donostia», diga-se, é São Sebastião em basco. Nas placas da estrada ainda aparece o hífen. Estas complicações multiplicam-se pelas terras bascas.

Navarra

Em Navarra, temos algo parecido com Valência: zonas bilingues e outras monolingues. Uma complicação… Mas terá mesmo que ficar para outro dia, que a água chama por mim!

E como chama por mim, para terminar, aqui fica como se diz «praia» em catalão. Ou, aliás, em valenciano…

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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6 comentários
  • “De Espanha” ou “da Espanha”? Eu sempre digo da Espanha, e os países adoitam levar artigo. Nom todos; sempre á algũus que levam a contrária à regra coma Portugal, Angola, Cabo Verde ou Moçambique. Mais da Europa, case todos: a Espanha, a França, a Itália, a Bélgica, os Países Baixos, a Holanda, o Reino Unido, a Irlanda, a Grã-Bretanha, a Escócia, a Ingraterra, a Alemanha, a România, a Ucraina, a Polônia, a Iugoslávia, a Checoslováquia, a Lituânia, a Galiza, a Catalunya, o País Basco…
    Sim, á algũas exceções (coma Portugal, Euskadi, Gales ou Sam Marino); peró a maioria si que leva e a Espanha nom é ũa exceçom.

    • Em Portugal, usamos “Espanha” com e sem artigo e dá-me a sensação que a preferência é para usar sem artigo. Pessoalmente, não uso mesmo o artigo (também não uso no caso de “França” e “Inglaterra”).

      • Beiçom pola explicaçom. Inda que a mim se me faria raro ver escrito ou falado “istória de França”. Eu digo “istória da França” e, nas páginas da Internet que sigo, mal á vegadas nas que a França nom leve artigo. Quiçais poderia ser devido a que isses países sempre levam artigo no Brasil, enquanto em Portugal averia issa alternância que mencionas. Isso faria sentido, já que eu consumo moito máis páginas e audiovisual brasileiro ca português (nom é questom de calidade, mais de cantidade. Ò ter o Brasil ũa populaçom 20 vezes maior à portuguesa, podem tratar tôdolos temas e gostos com moita máis facilidade)
        Enfim, teimas minhas.

        • Concordo: a quantidade é importante no que toca à produção cultural. Mas isso dava para um texto novo 🙂

  • Há dias estive em “Sanxenxo”, que ao longo dos séculos fora “Sangenjo” (Sam Genjo) pronunciado à galega (SanSHenSHo). Aquele recanto horrendo da Galiza, que parece cópia das vilas turísticas do Mediterráneo, anda cheio de portugueses. Pondo o ouvido em sintonia, observei que os portugeses teimam como os madrilenos em pronunciar SanKHenKHo. Eis o espírito do colonizado… Ou é a força do Eixo Madrid-Lisboa?

Certas Palavras

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Marco Neves

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