Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Cinco prazeres das manhãs de domingo

Ora aqui estou eu, bem acordado às sete da manhã dum domingo. Imaginem-me com uma chávena de café a fumegar à minha frente, a teclar furiosamente, empenhado neste ofício da escrita.

É mentira, claro. Neste momento — são exactamente sete da manhã — estou a dormir. Chama-se a isto programar o blogue. Sim, é possível. (Aliás, confesso uma coisa: tenho um artigo agendado para as três da manhã do dia 3 de Março de 2033. Ah, será o meu melhor texto, garanto-vos já.)

Bem, enquanto não chega esse ano, fiquem com estes cinco prazeres das manhãs de domingo. É o meu elogio a estas horas deliciosas.

1. Abrir os olhos e pensar: hoje não é segunda-feira.

O sábado, é sabido, é bem melhor do que o domingo. O sábado sabe bem — o domingo é pasmacento. Pois as manhãs de domingo, no fundo, são a continuação do sábado: a tarde ainda vem longe, o peso da segunda-feira ainda é só um ponto no horizonte. É como aquele prazer secreto de acordar às 5 da manhã dum dia de semana e pensar: ainda posso dormir mais um pouco. Claro que fechamos os olhos e o despertador dispara logo a seguir. Mas acho que percebem onde quero chegar.

2. Ser acordado pelos filhos.

Não é dia de escola. E, assim, os filhos acordam-nos a nós, saltando para a cama. No meu caso, já sabem, não são «filhos», mas «filho». Seja como for, é bom, não é? Risos, conversas novas — e depois o prazer de abrir as cortinas e deixar o sol entrar. (Está a chover? Tudo bem, melhor ainda.)

3. Olhar para a rua e ver poucos carros.

Passam carros, mas não é a mesma coisa. Até se ouvem pássaros nas rotundas. Tanto assim é que a Suécia, quando passou a conduzir pela direita em 1967, escolheu precisamente a manhã dum domingo para a troca. (E pronto, ficaram com o pedaço de informação inútil da semana.)

4. Olhar para o Facebook e ver poucas irritações.

Sim, não são só as estradas: o Facebook, aos domingos de manhã, está vazio. Anda tudo a dormir, a ler em papel ou a conversar a sério. Até dá para passear por lá sem dar a cada momento com discussões furiosas e indignações tramadas. Isto porque, como sabemos, os portugueses só voltam ao Facebook em força e em fúria no domingo à noite.

5. Não ter nada para fazer.

Estas são horas sem horários. Há quem trabalhe, é certo, mas a maioria das pessoas não tem nada para fazer nestas manhãs. Nem sequer temos cafés marcados ou as intermináveis festas de aniversário que aborrecem os sábados dos pais das crianças pequenas. Não: nas manhãs de domingo, o habitual é termos horas cheias de nada. E o nada é muito bom: dá para ler, ver televisão, conversar ou mesmo ficar de olhos abertos a olhar para a rua a ver os poucos carros a passar. São horas tão vazias que alguns até vêm parar a este texto inútil — inútil, espero eu, como uma manhã de domingo.

Muitas manhãs de domingo assim na vida — é o que vos desejo!

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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3 comentários
  • Escrevo, prosa e poesia, mas, sobretudo, contos, Filosofia e Ciência Política.
    Estou casado com a Língua Portuguesa, que amo doidamente.
    Adoro ler este blogue, porque nele escreve quem como eu ama a língua que fala.

  • É sempre uma satisfação acompanhar este globe,especialmente pela forma como é escrito num português que a todos nós muito honra.

  • É exatamente o mesmo que sinto aqui no interior da China, onde ensino Português Oral, mais concretamente, Compreensão Oral do Português… Porque aqui não podemos ensinar gramática, etc., isso é reservado aos professores chineses. E as minhas filhas acordam-me por Whatsapp… devido à diferença horária a essa hora elas estão a deitar-se e é a melhor altura para poder conversar um pouco!

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