Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Como não espalhar mentiras no Facebook (em três passos)


Vou contar-vos uma história (peço aos envolvidos que não se zanguem por estar a  usá-los para um artigo destes): uma amiga minha partilhou uma notícia que afirmava o seguinte: «Benjamin Netanyahu acusa os palestinos de serem culpados pela extinção dos dinossauros.»

Era uma notícia falsa que gozava com uma notícia verdadeira, que — diga-se de passagem — ficava pouco atrás da notícia falsa em inverosimilhança: o primeiro-ministro israelita afirmou há tempos que o culpado pelo Holocausto fora um muçulmano (!).

A minha amiga partilhava a notícia dos dinossauros como se fosse verdade. Um outro amigo meu lá disse nos comentários que a notícia estava num site que era uma espécie de Inimigo Público ou The Onion. Uma sátira, portanto.

Ela riu-se, com desportivismo, mas não deixou de reclamar: «Mas agora temos de verificar os factos como se estivéssemos na faculdade?»

Resposta: parece que sim. Ou, pelo menos, podemos tentar. É importante termos cuidado com o que partilhamos. Vamos errar muitas vezes, mas não custa tentar errar menos. Porque estes erros, acumulados, dão origem a muitas falsidades, alimentam calúnias, distorcem a nossa imagem do mundo e são extraordinariamente difíceis de agarrar uma vez lançados nas águas turbulentas das redes sociais. São mais graves do que erros ortográficos, que rapidamente se descobrem e corrigem (agora é que me esfolam vivo…).

Mesmo que pareça positivo alimentar uma má imagem daquela pessoa em particular (não tenho nenhuma simpatia pelo Sr. Benjamim), esta credulidade selectiva acaba por prejudicar as nossas próprias ideias: ficamos mais facilmente  desarmados quando usamos falsidades como armas, mesmo quando a nossa causa (seja ela qual for) for legítima e importante.

Esta credulidade selectiva funciona de forma previsível. Vemos uma notícia que alimenta uma ideia mais geral que temos («Benjamin Netanyahu diz disparates e não é de confiar») e acreditamos sem pestanejar nessa notícia particular.

Mais: não só acreditamos, como suspeitamos que qualquer pessoa que venha repor a verdade está do lado do malfeitor (ou então é um chato, o que às vezes ainda é pior).

Ora, o mundo é mais complicado do que isso: o facto de Benjamin Netanyahu dizer disparates não quer dizer que diga todos os disparates do mundo.

Por estas e por outras é que foi tão fácil a um conjunto relativamente grande de ingleses acreditar piamente, há uns tempos, que Portugal estava a viver um golpe de Estado sem que a BBC quisesse dar a notícia. Tudo porque, para esses ingleses (não vale a pena agora esmiuçar como), essa ideia peregrina do golpe de Estado português ajudava à sua particular narrativa anti-União Europeia — narrativa muito legítima, mas que não obrigava a que Portugal estivesse a viver um golpe de Estado.

Bem, chega de todo este arrazoado. Fiquem com três passos simples que, não sendo o suficiente para detectar todas as ideias falsas, já ajudam a despistar uma ou outra falsidade.

1. Ler o artigo que queremos partilhar

Quem nunca partilhou um artigo com um título agradável sem o ler? Ora, se estamos a espalhar uma informação qualquer, talvez seja boa ideia saber aquilo que estamos por aí a partilhar.

Depois, uma vez aberto o artigo, pensemos: qual é o site que está a partilhar a notícia? Será fidedigno? Será que não está ao serviço duma qualquer teoria da conspiração?

2. Procurar outras fontes minimamente isentas

Consigo encontrar a mesma informação noutros sites? Não estarão todos alinhados pela mesma teoria da conspiração? Será que os jornais nacionais não dariam destaque ao primeiro-ministro de Israel a dizer que os palestinos são matadores de dinossauros? Se fosse verdade, teria de aparecer noutros sites, certo? (Já sei que para as almas mais dadas a conspiração, a falta de notícias é prova da verdade dos factos, mas a esses este artigo não pode chegar. Entretenham-se a encontrar chemtrails.)

3. Procurar desmentidos da notícia

Se quiserem ser mais rigorosos ainda, tentem agir como se quisessem provar que a notícia está errada. Façam o que for preciso: procurem desmentidos, investiguem um pouco, ponham em causa sem dó nem piedade aquilo que vão partilhar.

Se a notícia se aguentar à bronca depois de a terem tentado desmascarar, quer dizer que a probabilidade de ser verdadeira é elevada.

No fundo, estamos a aplicar um método científico simplificado e portátil à simples partilha no Facebook.

Isto tudo dá trabalho? Algum. Mas é mais importante do que parece.

Dito tudo isto, sei que é mais simples e divertido partilhar tudo aquilo que parece confirmar aquilo em que acreditamos: eu, pecador, também confesso alguns deslizes.

Por isso, desconfio que vamos todos continuar a espalhar muitas notícias falsas e vamos todos ficar muito irritados com os chatos que vão verificar o que lêem.

Os seres humanos são um bicho complicado…

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

Comentar

1 comentário
  • É uma técnica que já aplico há vários anos. Antes de haver ‘redes sociais’ já havia email.

    E o ‘espalhanço’ (de espalhar, divulgar e não de ‘cair) de ‘notícias’ desse tipo é algo que já vem de tão longe como o constantino…. (piada reconhecível apenas por pessoa de uma certa idade 🙂

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