O meu filho lá continua a falar, cada vez mais. Aliás, agora, já ninguém o cala. E conversa, e pergunta, e duvida, e repete. E chama-me «chato» e depois, logo a seguir, pergunta-me donde vem a chuva. E eu explico e ele aprende, a olhar intrigado lá para fora, pela janela do carro nestes dias de inverno.
Quanto às palavras, já lhes perdi a conta: desde «fronha», a «namorada», passando por «amigo» e as inevitáveis «gomas». São apenas exemplos, entre milhares. E frases, quantas frases!
Ainda agora, está ali na cozinha dos avós e está a dizer à mãe: «Mãe, vou chamar o pai!» — isto porque eles já estão a sentar-se à mesa e eu aqui a escrever.
(Também fico também admirado comigo, tão embevecido com algo tão simples: uma frase do meu filho!)
Até já anda com uns estrangeirismos, como «yes!» e «ok». Sei que estrangeirismos é coisa que irrita muito purista. Mas não o acusem de maltratar a língua que ainda agora lhe está a inundar o cérebro… Conto-vos uma coisa. Estava eu na fila da Bertrand para lhe comprar um livro dos Ninjago (não me perguntem o que é, por amor de Deus), quando ele vem lá da secção de livros infantis a gritar bem algo: «Já está pagado, pai?» — correctíssimo, segundo os mais sólidos pensadores da língua. Lá virá o dia em que ele (ou talvez o cérebro dele) perceberá que o verbo «pagar» é daqueles esquisitos e que, correcto ou não, quase toda a gente torce o nariz a «pagado». Coisas da língua, que não lhe interessam por estes dias felizes.
Na questão das formas de tratamento, trata toda a gente por «tu» e os avós pelo nome («Tó», «Tonho», «Maria» e «Clara») — para os sensíveis a isto, que descrevi no artigo anterior, será este sinal do fim do mundo?
Sim, é. O mundo acaba todos os dias — e também começa todos os dias, numa criança a aprender a falar. É lindo. E não é só por estar a falar do meu filho (mas também por isso, ora essa).