Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Michelle Obama e as imagens que não valem 1000 palavras

Às vezes as imagens precisam de 1000 palavras para não nos enganarem.

Vejamos o caso da imagem de Michelle Obama na Arábia Saudita:

Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150128_salasocial_michelle_obama_bg
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150128_salasocial_michelle_obama_bg

Esta foto foi a origem de inúmeros comentários no Twitter e não só, dando origem a dois discursos bem distintos:

  • Alguns consideraram a primeira-dama norte-americana como uma espécie de heroína dos direitos das mulheres, ao recusar tapar-se num país onde as mulheres são atacadas todos os dias.
  • Outros (muitos deles sauditas) consideraram a roupa de Michelle como uma afronta, uma forma de desrespeito para com os anfitriões: em Roma, sê romano; na Arábia Saudita, sê saudita.

Alguns dos comentadores do segundo grupo foram buscar uma antiga foto de Michelle na Indonésia, onde a primeira-dama tinha tapado, de facto, o cabelo. Porquê esta diferença, perguntavam alguns comentadores, a adivinhar alguma má-vontade em relação ao reino saudita?

Ora, rapidamente houve quem desse alguma perspectiva a tudo isto: sim, Michelle Obama não tinha tapado o cabelo, mas essa é a situação normal nas visitas de Estado de estadistas ocidentais à Arábia Saudita. Sim, Michelle Obama tapou a cabeça na Indonésia, mas apenas porque, naquele momento, estava a visitar uma mesquita e, aí sim, não tapar a cabeça seria sinal de falta de respeito pelo espaço de oração onde estava.

Por isso, nem a narrativa da falta de respeito, nem a narrativa do gesto corajoso estavam correctas: foi apenas um gesto banal, habitual nos meandros do protocolo internacional.

Para que falo disto tudo? Porque muitas vezes comentamos e vemos o mundo desta forma: pegamos numa imagem e confirmamos a narrativa que já temos na cabeça, sem tentar duvidar um pouco das nossas ideias, escavar um pouco mais fundo, pôr tudo em perspectiva. (Além de que convém poupar o nosso sentido de indignação ou de elogio, para não os gastar inutilmente.)

Neste caso, como em tantos outros, as imagens são poderosas, mas podem levar-nos ao engano se não tivermos o cuidado de as temperar num bom banho de palavras e explicações.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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