Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

«Não há nada»: erro de português? (Nem por isso.)

cropped-typewriter-801921_1920-2.jpgDe vez em quando, lá encontro alguém que escreve coisas como «custa nada» em vez de «não custa nada» ou «há nada dentro daquela caixa» em vez de «não há nada dentro daquela caixa». São os mesmos que evitam «não há nenhum» e outras construções dessas, perfeitíssimas.

Ora, como a sintaxe natural da língua não é essa, só posso concluir isto: estas pessoas devem ter passado por algum daqueles inventores de erros que têm medo das orações em que o valor negativo se expressa com duas palavras. Se as duas palavras começam com «n», ficam em pânico. Acham que o nosso cérebro vai ler ali duas negativas e ficar confundido.

Acalmem-se. Respirem fundo. O nosso cérebro sabe perfeitamente que duas negativas dão uma positiva («não há ninguém que não ache» = «todos acham») e isso não tem nada a ver com as manias sintácticas da nossa língua, que por vezes nos obriga a usar duas palavras para construir uma oração negativa.

Não: mudar a forma como construímos orações negativas não nos obriga a pensar melhor. Mas estraga as frases de pessoas que até escrevem bem: começam a dizer «custa nada» e coisas dessas. Não há nenhuma razão para fazer tal desfeita à nossa pobre língua!

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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2 comentários
  • Ninguém = não ter pessoa
    Não tem ninguém em casa = TEM alguém em casa!
    Nisso a língua Inglesa é mais correta que a nossa

    E outra: achamos que os portugueses falam a língua deles melhor é besteira tb. Um bom exemplo é quando eles tentam expressar um desejo de ter algo.

    Eles falam: “Eu gostava de ter um Porsche”. QQ pessoa aqui no Brasil vai entender que ele gostava da época quando ele tinha o Porsche, pois está usando o pretérito perfeito, certo?

    Errado! no caso deles eles falam isso quando eles tem a vontade de ter o Porsche. Nós falamos o correto: “Eu gostaria de ter um Porsche”, demonstrando que não temos, porém seria nossa vontade de tê-lo

    “Tem ninguém em casa” pode soar estranho, mas seria o correto. Melhor talvez fosse dizer: “Não há gente/pessoas em casa” ou “A casa está vazia”

    Lembre-se: a língua é viva, feliz ou infelizmente. Pois dessa forma podemos acertá-la ou fazer com que ela incorpore coisas realmente esdrúxulas…muito mais que “custa nada”

    Quer ver pior??? essa mania estúpida de dizer: “com a reforma da previdência as pessoas vão aposentar com 100 anos”. Aí pergunto: elas vão aposentar quem cara pálida??? parecem uns analfabetos falando…. hahahaha

    Ninguém aposenta ninguém, só se trabalhar no órgão que faz de fato o processo de aposentadoria das pessoas!

    As pessoas SE aposentam, ou tornam-se aposentadas. Mas onde se tem “estou gripando” ou “como você chama?”(ao perguntar o nome de uma pessoa)… o “custa nada” é uma evolução!

    • “Tem ninguém em casa” seria mais correcto numa gramática diferente da portuguesa. Cada língua tem formas diferentes de expressar a negação e andar a tentar encontrar formas mais lógicas do que outras é confundir gramática com matemática. O português é apenas uma entre muitas línguas que usam duas partículas para criar uma oração negativa. Não é nada de extraordinário — e não está minimamente incorrecto. Mas isso já está tudo no texto… A língua é viva — mas não obedece às nossas ordens individuais. Tem os seus caminhos próprios…

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