A minha cunhada é professora de inglês e, apesar de já dar aulas vai para duas décadas e ter sempre trabalho, continua no famoso calvário dos professores que ora estão aqui ora estão ali.
Este ano, dá aulas a turmas de 7.º ano, numa escola pública de Lisboa. Sempre que estamos juntos, farta-se de elogiar os alunos: que têm um inglês excelente, que são interessados, participativos e cultos e por aí fora.
Ainda hoje nos contou como pediu a uma das turmas uma apresentação oral sobre um quadro famoso à escolha de cada aluno.
As apresentações ainda não acabaram, mas entre elas já teve estas:
(1) Uma apresentação sobre A Noite Estrelada de Vincent van Gogh. A apresentação da aluna começou com um excerto de Vincent de Don McLean.
(2) Uma apresentação sobre Mona Lisa (tinha de aparecer, certo?). Incluiu vários exemplos de obras derivadas da original. (Não sei se estegraffiti que aqui vai aparecia, mas fica aqui como exemplo.)
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“MonaLisaGraffiti” by Micheva / painted by Costah – Neva (Own work). Licensed under GFDL via Wikimedia Commons. |
(3) Uma apresentação sobre Retrato da Mãe do Artista (ou, em inglês, Whistler’s Mother), com excertos do filme Bean, onde o quadro é destruído pelo protagonista. (Já repararam que o filme já tem uns 18 anos? Incrível!)
(4) Uma apresentação sobre The Fighting Temeraire, de J. M. W. Turner — um quadro que apareceu no filme Skyfall. O aluno, claro, usou a cena do filme onde James Bond olha para o quadro.
Alguns, mais virados descrerem da juventude dê lá por onde der, vão dizer certamente: claro, todos os quadros tinham alguma coisa a ver com música ou com filmes.
Certo. Mas: e depois?
Apresentações que usam elementos de várias artes, em inglês, por miúdos de 12 (!) anos, que têm de falar para toda a turma e gerir os equipamentos que querem usar (quem já experimentou sabe que não é fácil) — acham mesmo que isto é mau sinal?
Porque escrevo sobre isto? A experiência de cada um vale pouco para nos dar uma imagem realista do estado real das turmas por esse país fora. Os alunos não são todos como estas boas turmas que calharam à minha cunhada (que já teve a sua dose de más turmas).
Mas lembrei-me de escrever sobre este caso para contrabalançar um pouco a visão catastrofista que anda por aí sobre as nossas escolas.
Essa visão mais do que pessimista também se baseia, muitas vezes, em episódios soltos, a partir dos quais muitos afirmam com muitas certezas na boca que os alunos de hoje em dia são hordas de jovens de olhos vazios, viciados em televisão ou jogos, desinteressados de tudo e todos, imersos num mundo violento e ignorante.
Um simplismo de arrepiar…
Há tantos e tantos problemas nas nossas escolas. Mas os nossos estimados alunos não se transformaram todos numa massa indistinta de estupidez (apetece-me dizer: «antes pelo contrário», mas vou conter-me).
Deixem-me que vos diga: muitas vezes, o catastrofismo é apenas uma forma preguiçosa de desistir de perceber o mundo sem risco de parecer ingénuo — reparem que os catastrofistas ficam sempre com fama de «lúcidos», por mais exageros que usem ou disparates que digam.
Bem, também isto já é um exagero de discurso. Esses alunos que agora falam de quadros e aprendem inglês hão-de um dia cair nos mesmos exageros e discutir se os alunos desses dias têm salvação.
Tudo muda, menos a nossa tendência para achar que os jovens estão perdidos.