Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Os catalães não aprendem espanhol?

Isto não tem a ver com a agora famosa independência da Catalunha. Ou melhor, lido de certa maneira, aquilo que vou dizer a seguir pode servir de argumento contra a independência.

Ora bem, roda por alguns mentideros de Madrid esta ideia: os catalães não querem ensinar espanhol aos filhos. Contam-se histórias horrorosas de crianças a aprender a ler e a escrever em catalão (que horror!).

Essas ideias servem depois para acusar os ditos catalães de serem especialmente fechados e terem uma atitude retrógrada em relação às línguas. (Muitas vezes isto é dito por quem sabe apenas uma língua…)

Bem, agora olhemos para a realidade: sim, o sistema de ensino catalão (a autonomia catalã abrange o ensino) usa a língua catalã como língua de ensino de muitas disciplinas: os catalães aprendem matemática e física em catalão (olhem lá o desplante!).

Não me parece nada de extraordinário: há línguas faladas por menos pessoas que também são línguas de ensino: o dinamarquês, o norueguês… Na Suíça, onde a maioria dos habitantes falam alemão, as zonas de língua francesa ou italiana também usam o francês ou o italiano como línguas de ensino.

Quando este sistema foi criado, a ideia era que todas as crianças aprendessem as duas línguas: afinal, o castelhano era falado por todos (como primeira ou segunda língua) e o catalão só por metade da população, apesar de ser uma língua com longa tradição e considerada materna por milhões de catalães.

E o espanhol (ou castelhano)? Ao contrário do que dizem as tais más línguas, é de aprendizagem obrigatória em todo o sistema de ensino. Os alunos da primária aprendem a ler e a escrever em catalão — e em espanhol. Durante os anos seguintes, têm sempre espanhol como disciplina obrigatória.

Resultado: os alunos catalães sabem todos falar espanhol como falantes nativos — e também catalão. Acabam bilingues, o que parece fazer muita confusão a espanhóis de outras zonas. Os resultados dos alunos catalães nos exames de espanhol não são piores que os de outras zonas. São mesmo jovens bilingues (o que não me parece mau).

Ou seja, qual a diferença entre um jovem catalão e um jovem madrileno no que toca às línguas? O catalão fala catalão e espanhol — e aprende inglês. O madrileno aprende espanhol — e inglês. O catalão leva uma língua de vantagem. Sabe ler Cervantes, mas também Mercè Rodoreda, Joan Maragall e todos os outros escritores de língua catalã.

Agora, talvez não fosse má ideia — se de facto querem uma Espanha unida — que todos os espanhóis assumissem as várias línguas espanholas como suas. Assim, as outras línguas não castelhanas deviam ser consideradas línguas de Espanha mesmo a sério, deviam adornar os edifícios do governo central e deviam ser aprendidas, como opção (não queiramos exigir aos espanhóis de outras zonas o que se exige aos catalães…).

Assim, uma criança madrilena podia aprender um pouco de catalão. Porquê? Para conhecer outra das línguas, das literaturas e das culturas do seu país. Não é preciso ser obrigatório: apenas uma opção. Também podia ter como opção o galego e o basco. A Espanha podia começar a ver-se como país de muitas línguas, em que todos os espanhóis, qualquer que seja a língua materna, se sentem em casa. Ninguém deixaria de aprender castelhano na escola. Ninguém ficaria prejudicado. Haveria um custo, claro: professores, manuais, horários… Mas será um custo assim tão grande? Será assim tão caro ou inconcebível querer aprender a língua daqueles que consideramos nossos concidadãos?

Se disserem isto a um madrileno, provavelmente irão ouvir um riso de surpresa, como se fosse a ideia mais absurda do mundo. E é pena! Porque se o madrileno for — legitimamente — contra a ideia de partir Espanha e deixar sair a Catalunha, então deveria considerar o catalão e a cultura catalãs como um pouco suas. Ou não?

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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2 comentários
  • Por que o castelão tem de ser obrigatório? Tôdolos espanhóis deveriam aprender 2 línguas do Estado. Ũa seria a língua natal da sua zona e a outra deveria ser opcional.
    Na Galiza, estudamos galego e castelão. O galego seria obrigatório. Peró o castelão seria opcional, e assim poderia aver gente que estudasse galego e catalám; por exemplo.
    Aliás, eu nunca estudei catalám nem italião. Entom, por que posso comprender issas línguas e entender òs seus falantes (e escritores)?
    Um bom começo pra manter a Espanha unida seria tirar a obriga de saber castelão e o fato d´apenas poder falar issa língua no congresso dos deputados. Que cada ũu possa falar em calquer língua da Espanha.
    E se acharem isto inviável, sempre nos fica o esperanto…

  • Não gosto de falar sobre assuntos que não domino, especialmente quando têm que ver com conflitos que afetam as vidas das pessoas, mas a mim me parece que o seu artigo tocou no nervo exposto que, na Espanha, sempre se evitou tocar: ao “nacionalismo” catalão (e basco, e galego etc.), contrapõe-se, frequentemente, o pluralismo do estado democrático de direito espanhol, que, todavia, nunca foi e ainda hoje não é, exatamente, plural. Que o digam os galegos.

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