Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Os Portugueses são uma praga (segundo Mark Twain)

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Livros na Bagagem. Capítulo 8.
Como viajar pelos olhos dos amigos.

Ora, não sei se já vos disse, mas éramos quatro lá em casa. É normal, portanto, que os meus pais, entretidos com aulas (a minha mãe) e vendas (o meu pai) precisassem de ajuda — quando era só eu, nos inícios muito longínquos dos anos 80, ainda o meu pai me podia levar na carrinha das entregas, mas quatro miúdos já não dá…

A certa altura, portanto, os meus pais arranjaram ajuda — e a senhora que ia lá a casa todos os dias tomar conta de nós chama-se Teresa e tornou-se minha amiga. Diga-se que o termo «senhora» não fazia jus à sua juventude — e ainda por cima ela adorava livros e muito conversávamos nós sobre isso e muito mais.

Pois bem, lá por volta de 1997, já eu andava no secundário prestes a ir para Lisboa, a Teresa fez uma viagem a Nova Iorque para visitar a irmã. Por esses dias, eu só podia sonhar em ir a essa cidade mítica. Podia sonhar e visitá-la através dos olhos da Teresa, que me contou o que pode e trouxe de lá uma prenda em forma de livro. Trouxe-me ainda folhetos a monte, que era coisa de que eu gostava, não sei porquê.

O livro que ela me deu foi The Innocents Abroad, um livro de viagens de Mark Twan:

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E o folheto que usei como marcador foi este:

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(Entretanto, não sei se repararam que este World Trade Center já não existe…)

Pois bem, comecei a ler o livro, apesar de o meu inglês da altura ainda não ser o suficiente para o ler sem falhas. Mas isso nunca me impediu e ainda hoje acho que não ter medo de ler mesmo sem perceber algumas palavras é a melhor forma de aprender a ler — em qualquer língua.

O livro é o relato duma viagem de Mark Twain à Europa e ao Médio Oriente — ao Velho Mundo, portanto. Não vou estar para aqui a falar do livro muito tempo, mas gostava de vos partilhar um extracto, quase no início, sobre o momento em que Mark Twain conhece esse povo exótico: os Portugueses.

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Sim, somos «lentos, pobres, indolentes, sonolentos e preguiçosos». Mais nada?

A coisa não fica por aqui…

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Não é todos os dias que nos vemos tratados como «vermin». No fundo, somos uma praga à face da terra. Que simpático.

Isto é muito politicamente incorrecto e todos nós até gostamos de ser politicamente incorrectos, mas temos de admitir que é um pouco mais aborrecido quando somos nós o alvo da tal incorrecção…

Ora, o melhor nestes casos é encolher os ombros e ler o livro na mesma, que o Mark Twain não escreve mesmo nada mal. Não se chateiem muito com ele. Afinal, é um génio, não tinha papas na língua — e nunca disse que acertava em todas.

E, depois, não disse pior do que muitos portugueses dizem dos Portugueses, não é?

Adenda. Aqui fica a ligação para um artigo académico sobre este mesmo assunto (quem o encontrou foi Jorge Beleza): “Mark Twain and the “Slow, Poor, Shiftless, Sleepy, and Lazy” Azoreans in The Innocents Abroad” Estou a começar a ler…

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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3 comentários
  • O Homem que chegou com o cometa Halley e com ele partiu. Absolutamente a não perder, “Letters form the Earth”. Vou mandá-las. E não seriam assim os Açorianos naquela altura? Vamos, que ele não fala dos Portugueses do Continente mas dos residentes do Faial em particular.

  • Caríssimo Marco,

    Muitos parabéns pelo seu blog e pelo excelente trabalho que tem tido a divulgar a língua portuguesa e a educar-nos na história da mesma.

    Quanto às referências de Mark Twain em relação aos portugueses, que não podemos julgar a parte pelo todo. Mark Twain arribou a uma pequena parte de Portugal, onde decerto a miséria pululava. Hoje não é assim, e garanto-lhe que se for ao Faial será bem recebido pelos seus habitantes.
    Mas se, porventura se aventurar em algum país sub-desenvolvido, ao chegar ao aeroporto ou estação de caminho-de-ferro, decerto que será recebido por grupos de populares andrajosos que se ‘oferecerão’ para lhe carregar as malas, levar no táxi, ou simplesmente roubá-lo.
    Portugal à época, era, nada mais que um país subdesenvolvido, ainda a recuperar das guerras fratricidas que assolaram o país depois das invasões napoleónicas e sucessiva guerra peninsular. Hoje felizmente já não é assim, apesar de certos grupos e grupelhos quererem que o país permaneça na mesma, refém de visões tacanhas e antiquadas em relação ao que se passa no mundo.
    E mesmo em países mais desenvolvidos que Portugal, como era o caso do Reino Unido, existem relatos de miséria abjecta parecida com a que hoje ainda se pode encontrar em países do sub-continente indiano, onde por vezes a miséria humana toma formas bem mais contundentes que, por exemplo, em África.
    Mas, adiante. Na mesma época que Twain visitou os Açores, também outro génio da escrita se aventurou por terras lusas. Falo de Hans Christian Andersen, que passou um Verão no nosso país. E se a miséria de algumas paragens o tocou, a bondade e a generosidade dos portugueses, com poucas excepções, também o o emocionaram, considerando Portugal, a seguir à sua pátria, o país onde mais se sentiu em casa.
    Andersen passou um mês inteiro na minha terra natal. Não, não foi em Sintra, mas em Setúbal, onde descobriu a beleza natural da Arrábida e do estuário do Sado. Onde festejou junto com os habitantes da já cidade, o Sto António. E onde se impressionou também com o mau estado de muitos edifícios, possivelmente ainda recuperando do sismo de 1858.

    Tudo isto para concluir que, não nos devemos ofender com as impressões de viajantes que passaram pelo nosso país e que, fazendo fé da veracidade dos relatos, tiveram uma experiência negativa do mesmo. Os contextos políticos e económicos eram diferentes, e o povo daquela época, quase irreconhecível hoje. O que me ofende, ainda hoje por exemplo é, tal como Andersen em 1866, o facto de certos profissionais do aluguer de viaturas com motorista, cobrarem o couro e o cabelo por uma bandeirada entre a Portela e Oriente e continuarem a usar de linguagem e modos de carroceiro num mundo onde já ninguém anda de charrete. Mas isso é outra história.

    Já agora se tiver tempo, visite o meu blogue. Será muito bem-vindo.
    http://bloguedeumhomemso.blogspot.co.uk/

  • Marco
    Infelizmente o ser humano é assim. Está sempre se comparando e procurando estar melhor que os outros, nem que seja com aquela ilusão de subir relativamente ao rebaixar os outros.
    Sou brasileiro e canso de ouvir estrangeiros comentando que o Brasil não é um lugar civilizado.
    Até dentro do Brasil, o mesmo comportamento acontece. Sou nordestino e canso de ouvir os sulistas comentando que o Nordeste não é um lugar civilizado.
    Até dentro da minha cidade natal, Fortaleza, o mesmo comportamento acontece. Nasci e cresci na zona oeste da cidade e canso de ouvir os fortalezenses da zona leste comentando que a zona oeste não é um lugar civilizado.
    Antes isso me irritava, hoje eu já consigo rir do quão ridículos são esses comentários.
    Abraço
    Antônio

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