Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Os tarados dos erros de português

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Sim, a língua é importantíssima. Pelo menos para aqueles de entre nós que tentam expressar-se cada vez melhor, ler cada vez mais, saber explicar e saber ouvir o melhor possível.

Somos o clube daqueles que gostam de conhecer as várias roupagens da língua e se deliciam com a forma sempre inacreditável como esta muda e se estica para acompanhar as vidas dos seus falantes. Sim, somos o clube de quem sabe haver uma norma-padrão, que convém conhecer e estimar. Mas somos também o clube de quem fica com pele de galinha quando a língua nos aparece trabalhada de forma criativa ou, pelo menos, surpreendente — ou então é usada para explicar uma ideia difícil de maneira simples e certeira.

E, sim, aos membros deste clube de que faço parte entristece haver tanta gente que não quer saber de nada disso. São as pessoas que dizem o que tem a dizer às três pancadas (os outros que se esforcem por entender) ou — o que é pior — ouvem os outros também às três pancadas, percebendo não o que os outros querem dizer, mas o que dá mais jeito ou é mais fácil, sem qualquer esforço por compreender as ideias que estão por trás das palavras.

Mas depois temos aqueles a que chamo os tarados dos erros, que na lista dos inimigos da língua estão cá em cima, num orgulhoso primeiro lugar.

São aqueles que gritam que a língua é importante, mas dela querem saber apenas aquilo que é trivial. Estão mais preocupados com as gralhas dos outros do que com a língua em si.

São aqueles que estão de tal forma obcecados com os erros, que nunca reconhecem o esforço honesto de quem tenta escrever e falar melhor, com mais ou menos tropeções.

São aqueles que encontram erros em todo o lado — e inventam erros se preciso for (que mania a destes senhores).

São aqueles que não querem saber dos falantes da língua, apenas dum ou outro pormenor das regras dessa língua, pormenores esses que escolhem aleatoriamente e passam a propalar como se fosse o mais importante detalhe da linguagem humana.

São aqueles que confundem umas quantas convenções com a língua toda, aquela que anda nos nossos lábios e nos livros e que é tão apetitosa.

É apetitosa, sim — mas esses tarados dos erros não sabem: estão mais preocupados em policiá-la, em limitá-la, em inventar regras com que chatear os outros, ignorando olimpicamente as verdadeiras regras da língua, aquelas regras que os falantes têm no seu cérebro e que demoram a descobrir e a respeitar (os linguistas andam nisso há décadas).

Querem um exemplo extremo desta doença? Há pessoas — isto é real, isto existe! — que alteram imagens com o Paint ou com o Photoshop para lhes inserir erros de português propositadamente. Depois, o que fazem? Partilham essas mesmas imagens pelo Facebook fora, muito indignadas com o erro que encontraram — ou então com comentários jocosos, como se um erro propositado tivesse alguma graça…

E ainda têm a lata de se queixar do estado da língua.


Curiosamente, na sequência deste artigo, recebi um comentário muito agressivo por parte de uma pessoa que, anteriormente, tinha comentado outros artigos meus de forma muito simpática. Diz o comentário (enviado por email, sem mais nada): «Que nojo de comentário tendencioso, sem exemplos nem nada.»

Para lá da tendência infeliz para o exagero evidente, não consigo perceber em que sentido o artigo era tendencioso, mas acredito que o seja. Paciência. Se houver argumentos contra o mesmo, estou cá para os ouvir.

Quanto aos exemplos em falta… Não sei que exemplos o comentador queria. Dos inventores de erros, tenho dado exemplos à exaustão: basta procurar neste blogue (nem é preciso ir longe). Se os exemplos em falta são das imagens alteradas para inserir erros, aqui fica um exemplo, que ontem andou a rodar pelas redes sociais:

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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3 comentários
  • O pior é que “a” responsável pela área de lexicografia e pelo próximo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa seja EXACTAMENTE uma dessas… Não há esperança para o nosso dicionário de referência num futuro próximo.

  • Pois é! Sr. Marco Neves. Uma pena, né não?
    A linguagem coloquial do pessoal da roça é tão idílica, tão doce:
    – B’as tarde.
    – B’as tarde.
    – Pois é, seu Chico. Ficamos atolados lá pras
    bandas do Pinhal. Amanhã venho buscar o jeep. Agora vamos nos apressar que a noite logo cai.
    – Sim, Siô! É o mió a fazê. Oia a chuva roncano
    lá pru lado do Roção. O mió memo é apertá os passo
    das besta.
    E a Sinhana, tá miózinha das dor?
    Tá sim, seu Chico. Obrigado por perguntar.
    – Entonces vamo andanu. Inté, seu Zé.
    – Inté, seu Chico.

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Marco Neves

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