Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O turco e o seu i com pinta ou sem pinta

Os turcos estão nas bocas do mundo.

Nas notícias da tentativa de golpe, todos vimos imagens das televisões turcas, entre o horror e a dúvida sobre o que se estaria a passar.

Alguns, mais atentos, naqueles longos minutos em que tudo parecia acontecer, mas nada se conseguia perceber, talvez tenham olhado com mais atenção para as estranhas palavras turcas e percebido que se passava algo estranho com a letra i.

Mas antes de falarmos da pinta — quando olhamos para o turco escrito, há algo tão óbvio que nem reparamos: o alfabeto que usam é o nosso velho alfabeto latino. Mas nem sempre foi assim. Até aos anos 20, o alfabeto usado era o árabe.

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Kemal Atatürk

Foi Kemal Atatürk, o pai da Turquia moderna, que impôs este novo sistema gráfico, como medida de aproximação cultural ao Ocidente. Enfim, como já discutimos muitas vezes neste blogue, a ortografia também tem implicações políticas e identitárias…

Essa Turquia que se quer moderna convive com uma outra Turquia, mais religiosa e conservadora, que terá algumas saudades do Império Otomano. Erdogan, com o seu palácio excessivo e as suas derivas autoritárias, apesar de continuar a dizer-se presidente da república fundada por Atatürk, terá como modelo, provavelmente, os sultões otomanos.

*

Bem, falemos da pinta: a letra i, no turco, é mais complicada do que parece. A pinta do i turco é um acento: pode lá estar ou não.

Assim, o turco tem i sem pinta e i com pinta:

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O primeiro i, sem pinta, é mais difícil de ler. Se repararmos, dizemos «uuu» arredondando os lábios. Ora, se dissermos «uuu» sem arrendondar os lábios, estaremos a dizer qualquer coisa parecida com o i sem pinta do turco.

Já o i com pinta é parecido com o nosso i.

Assim, temos:

istambul

Mas:

Bandirma

Bem, com pinta ou sem pinta, com golpe ou sem golpe, confesso já que adorava ir a Istambul. Ou İstanbul.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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