Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Porque é que os espanhóis falam tão depressa?

A minha resposta é: será que falam assim tão depressa?

Já sei que dizer que os espanhóis não falam depressa é um sacrilégio em Portugal, mas às vezes é preciso blasfemar um pouco para aprender alguma coisa.

Podemos pensar na questão doutra forma: se nós achamos que os espanhóis falam muito depressa, será que eles nos ouvem a falar muito devagar?

Antes de tentar responder, gostava de vos propor um exercício: coloquem-se discretamente numa mesa de café. Agora, oiçam algum grupo de portugueses a conversar animadamente sobre um assunto que os entusiasme. Abstraiam-se do sentido das palavras e tentem perceber se estão a falar depressa ou devagar. A não ser que tenham escolhido um grupo de filósofos a tentar imitar um diálogo socrático de forma teatral, provavelmente chegarão à conclusão que os portugueses também falam rápido pa caraças.

Pois bem, não fui perguntar, mas quase que aposto que os espanhóis, quando nos ligam alguma coisa, acham que falamos como foguetes — e ainda por cima enchemos o foguete de sibilantes e vogais esquisitas. Reparem: no tempo que um espanhol leva a dizer “vocales”, já o português disse três vezes “v’gais”.

Andei à procura de sites e posts espanhóis sobre a velocidade da fala dos portugueses. Conclusão? Os espanhóis não querem saber da velocidade a que os portugueses falam… Mas lá encontrei, num canto escondido da blogoesfera, um estudante de Erasmus que se queixa: “los portugueses hablan muy rápido”. Isto enquanto tece elogios rasgados a Lisboa e aos portugueses (ai, se falassem mais devagar…).

Enfim, proponho-vos uma outra explicação para o facto de ouvirmos os espanhóis a falar tão depressa: se calhar o problema é outro. Se calhar, os portugueses compreendem um pouco pior o espanhol do que o português (porque será?…) e interpretam inconscientemente essa dificuldade como velocidade da fala do vizinho. De certa forma, a proximidade entre as línguas só acentua o fenómeno. O cérebro do português suspira ao cérebro espanhol: “tenho a certeza que se falasses mais devagar conseguia compreender-te na perfeição…”

Como afirma Jeffrey Kluger, num artigo da Time de 2011:

É uma verdade quase universal que qualquer língua que não compreendemos soa como se estivesse a ser falada a 250 km/h — uma avalanche de sílabas estrangeiras quase impossível de separar. (1)

Por isso, é bem provável que os portugueses oiçam os espanhóis a falar depressa — e que por sua vez os espanhóis oiçam os portugueses a falar como quem está atrasado para apanhar o comboio. Esta é uma espécie de teoria da relatividade da velocidade da fala: achamos sempre que os outros povos falam mais depressa do que nós.

Há uma questão mais geral e talvez mais interessante: será que há línguas realmente mais rápidas do que outras? Fica para um próximo post (2).

Luis Vaz de Camões pictogram
Luis Vaz de Camões pictogram (Photo credit: pedrosimoes7)


(1) Original: “It’s an almost universal truth that any language you don’t understand sounds like it’s being spoken at 200 m.p.h. — a storm of alien syllables almost impossible to tease apart.”

(2) Mas entretanto podem espreitar o artigo da Time que acabei de citar…

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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7 comentários
  • Olá amigo,

    sou espanhol, as vezes em procura de coisas na web que relacionem a lingua portuguesa com a espanhola, pela simple curiosidade do saber.

    Na minha opinião, nós os ibéricos não falamos diferente, pois temos linguas filhas da mesma e estar perto faz que sejam práticamente iguais. O que faz a diferença entre o entendimento e a velocidade para a pessoa ibérica que ouve pela primeira vez alguma delas, são dois fatos:

    1) O sotaque. Certamente, segundo a parte do país na que estejas a comprensão vai ser mais ou menos dificultosa. Para mim particularmente, que aprendi português no Algarve, acho que posso entender o português do resto das regiões, pela forma que eles tem de cortar sílabas em algumas palavras.
    2) O interesse que mostra o falante com o ouvinte, e viceversa. Se a pessoa que ouve a outra ingua pela primeira vez, começa ouvir uma conversa de gente portuguesa a falar quando estão a tomar um café, acho que não entenderia nem palavra. Nesse exemplo nem o ouvente nem o falante estão a ter-se em conta.

    Então, além dos pontos coincido comtigo na tua conclussao. Não há velocidade, só desconhecimento mutuo.

    Eu quiser ter um português mais sofisticado, mas quise contribuir com meu grão de areia. Cumprimentos dum espanhol que quer saber a velocidade que os portugueses falam! 😉

  • As línguas europeias geralmente são faladas rápidas. Todos sabem que o espanhol falado em Espanha é falado muito mais rápido que o espanhol latino, para um brasileiro com dificuldade de aprender espanhol o melhor é começar pela forma de falar dos colombianos, mexicanos ou argentinos do que começar pela forma de Espanha. O inglês britânico é muito rápido comparando com o inglês americano.
    O espanhol mais calmo de dizer é na América latina, o português mais lento e suave é o do Brasil e o inglês americano é bem mais lento comparado ao britânico.
    Tanto o português, espanhol e inglês europeus são imensamente mais ricos em sons linguísticos do que os da América, porém a forma de pronunciar mais suave é a do lado de cá do atlântico.

    • Os espanhóis falam rápido. Os portugueses também (sou brasileiro). Mas os italianos… Meu Deus do céu. Tão rápidos quanto uma Ferrari.

  • Para nós do Brasil, num primeiro contato os portugueses parecem falar muito rápido assim como os espanhóis e os italianos.

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Marco Neves

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