Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Porque há tantos tesourinhos das autárquicas?

Há algumas pessoas que olham para os cartazes autárquicos que andam por aí a rodar no Facebook e ficam com medo de sair à rua. Se são estes os candidatos que nos vão limpar os passeios…

Sim, é verdade: alguns dos cartazes não parecem, de facto, o melhor exemplo da arte de bem comunicar. Terá havido uma enchente de mau gosto por esse país fora?

Ora, não é bem isso — embora não me importe de admitir que o bom gosto não é material que abunde por aí. (O problema, claro, é perceber o que é o tal bom gosto.)

Primeira explicação: alguns dos cartazes são falsos. Ainda agora me passou pelos olhos o famoso cartaz «Picha Para a Frente!» que há quatro anos me andou a importunar o mural do Facebook. Ora, a Picha existe — é ali perto de Leiria. Mas não é freguesia. Ou seja, não há eleições na Picha. Uma desilusão, eu sei. (E aquele cartaz da Coina também é muito suspeito.)

Segunda explicação: na verdade, eleições autárquicas há muitas. Muitas mesmo. Temos mais de 3000 freguesias. Imagino que na larga maioria das freguesias haja mais do que uma candidatura. Logo, temos perto de 6000 candidaturas (no mínimo). Ora, haverá vários candidatos em cada candidatura (com suplentes, julgo que não serão menos de 5 por cada candidatura, mesmo nas freguesias mais pequenas). Logo, temos para cima de 30 000 candidatos — e só nas freguesias.

E se falarmos dos municípios, reparem que só em Barcelos temos 61 lugares a eleger na Assembleia Municipal (as gentes de Barcelos são conhecidas pelo talento para criar galos e pelo gosto extremado por ter assembleias municipais muito concorridas). Multipliquem pelo número de candidaturas e comecem a ter pesadelos com exércitos de candidatos…

É muita gente. Muito candidato. Muita lista. Muito cartaz. Seria impossível que todos fossem um primor estético. Basta 1% dos cartazes terem sido feitos por amadores e já temos larguíssimas dezenas de cartazes feitos em Powerpoint às três da manhã pelo primo do candidato.

E — claro — seria impossível que os nomes das terras que há por esse país fora não dessem origem a cartazes que nos deixam um tanto ou quanto bem-dispostos. «Continuar Calvos» é o meu favorito, nem que seja por me lembrar que eu também continuo um pouco calvo aqui na zona do cocuruto.

Onde quero chegar com isto? A lugar nenhum. Serve apenas de lembrança que o país é maior do que pensamos — e que as eleições autárquicas são as mais democráticas de todas, pois não há eleitor que não seja candidato ou, pelo menos, que não tenha um candidato na família ou na sua rua — o que quer dizer que, quando nos rimos destes cartazes, estamos a rir-nos de nós próprios, portugueses. O que só faz bem, diga-se.

Continuemos, pois, calvos e a rir!

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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