Os actos de barbárie cultural do ISIS conseguem fazer-nos tremer ainda mais do que os actos de barbárie contabilizada em números de mortos e feridos — sim, eu sei que não é bonito admitir isto, mas é o que acontece por esse mundo fora.
Porquê?
Porque a destruição de Palmira fere toda a humanidade ao mesmo tempo, incluindo os seres humanos do futuro — que perdem uma cidade que já está connosco há milénios.
A destruição de museus e ruínas é um reflexo do profundo anti-humanismo destes combatentes: para eles o que importa é sempre Deus (criado, na cabeça deles, à imagem e semelhança dos seus desejos mais profundos) — e nunca os seres humanos, esses animais desprezíveis, com a sua cultura e paciente construção de alguma coisa vagamente melhor.
É esse desprezo pelo humano que nos faz cair, quase sempre, na crueldade. Ironicamente, os seres humanos sentem em si a tentação de desprezar a própria espécie e entregar a sua lealdade a um qualquer deus ou ideia abstracta — o anti-humanismo é muito humano, para dizer a verdade. Este desprezo pela nossa espécie está sempre ao virar da esquina.
Por essa razão, é importante fazer o esforço de não cair na tentação do desprezo — os seres humanos não são apenas os algozes de Palmira, mas também os nossos amigos, filhos e simpáticos adversários — e também aqueles que criaram as mesmas obras que agora são destruídas e todas as obras que ainda estão por vir.
Não nos esqueçamos: no dia em que desprezarmos os seres humanos como aqueles homens infectados de loucura divina, seremos iguais a eles, pois arranjaremos justificação para todas as loucuras e todas as crueldades.