O Zé quer ter muitas partilhas no Facebook. Descobre então uma fórmula infalível: falar mal da maneira de escrever dos outros.
Como? É fácil: basta encontrar um erro qualquer e escrever um post bem sarcástico e bem exagerado. Que isto está cada vez pior! Que antigamente é que se escrevia bem! Que esta gente é estúpida! Que os portugueses do século XIX eram todos uns génios da língua e agora é o que se vê!
O Zé não encontrou nenhum erro naquele dia? Ah, não faz mal: basta inventar. Há sempre esta ou aquela expressão de que o Zé não gosta. Do «não gosto» é fácil passar ao «está errado». Porque sim. O Zé raramente tem dúvidas e nunca se engana, claro. Não investiga. Não dá o benefício da dúvida. Acusa, de forma prazenteira e muito sarcástica. Vê então os gostos e as partilhas e os comentários de concordância. «Ah, ninguém sabe escrever.» «Ah, antigamente é que era bom.» «Ah, os jovens — é só grunhidos!»
O Zé entusiasma-se. Cria então listas de palavras e expressões «erradas». Mistura erros a sério com invenções da sua lavra. Apresenta certezas e poucas dúvidas. O Zé fica contente: o Zé torna-se viral (embora provavelmente haja outro Zé qualquer que ache esta palavra um grande erro).
Ah, o Zé está satisfeito! Sente a doce solidariedade de todos os que estão convencidos que todos os outros são estúpidos (nós é que não).
Dúvidas? Para quê? O Zé entusiasma-se: está viciado nos erros dos outros. Sente-se bem, acha que está a proteger a língua. Se alguém se atreve a dizer que as coisas não são bem como ele diz, desata a disparatar: que são facilitistas, que aceitam tudo, que não respeitam a língua. E, assim, embalado, lá vai caindo numa visão fácil, que aceita qualquer ideia pouco pensada, que não respeita a língua… E no entretanto vamos ficando com menos paciência para conversar, com menos atenção ao que os outros dizem, obcecados que estamos com as manias do Zé, não vá o Zé irritar-se e apontar o dedo a uma qualquer inocente palavra da nossa língua.
Tu (desculpa lá o tratamento por ‘tu’, visto que ainda não fomos formalmente apresentados – lê o livro da Lucy Pepper, como não morrer de fome em Portugal-, mas creio que, após alguumas trocas de comentários entre os dois, poderei usar esse tratamento), regressando ao tema, tu gostas mesmo de combater moinhos de vento, não gostas?
Passando a explicar; o Zé descobriu o poder da palavra. E para se perceber isso, basta circular pelos comentários que o pessoal põe nos vários artigos de jornal.
Por cada comentário minimamente inteligente, (é independente se concordamos ou não com o que é dito), há umas dezenas de comentários cretinos. E o mesmo se aplica ao facebook ou a outra qualquer rede dita social.
E é também por isso que tu próprio tens os comentários aqui, moderados.
A estupidez humana é ilimitada. e a vontade de nos fazermos “ouvir” é imensa!
Aliáz, tinha acabdo de escreve a frase acima e digo que o Brexit, e o Trump partem de que os “pequenos” sentiram que não têm voz e usaram isso para se fazerem ouvir.
O tu está perfeito! 😉 O problema é que estes Zés são, muitas vezes, pessoas moderadas que, nestas questões da língua, perdem as estribeiras — e acabam por inquinar a leitura e a discussão com discussões e arrogâncias linguísticas sem lógica. Mas, sim, admito, é o meu moinho de vento. O purismo linguístico sempre existiu, não vou conseguir nada com estas irritações…