Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O prazer de encontrar erros de português

Há pouco, vi esta imagem partilhada no Observatório da Asneira:

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Ora, quem partilhou a imagem comentou: «Cá para nós, é um elogio!» Outro comentário: «Com orgulho!»

Ou seja, estas pessoas acham que chamar alguém «pedante gramatical» é um elogio e orgulham-se de o ser.

Por outras palavras: há quem sinta prazer em encontrar erros em todo o lado.

Com todo o respeito por quem sofre deste mal, deixem-me dizer-vos a minha opinião: acho muito mais útil não andar à caça de erros de propósito, mas, quando os vemos, avisar a pessoa em privado, de forma serena e simpática.

Mas, tudo bem: cada um é como cada qual. Há quem goste de gozar com os erros alheios. Deixem-me só pôr esse prazer do erro em perspectiva.

Continuando a comparação da língua com a roupa que fiz há uns tempos, pensem lá nisto: se virem um desconhecido num restaurante com uma nódoa nas costas, o que é melhor? Começar a apontar e a rir e a gozar e a chamar nomes — ou chamar a atenção de forma discreta e bem-educada? E, já agora, alguém se orgulha de ser um grande caçador de nódoas?

Mais ainda: se alguém encontrar alguém carregadinho de nódoas e vestido com trapos porque não se pode vestir melhor, será bom gozar o pagode com essa pessoa? Se pudermos ajudar de alguma maneira a que a pessoa se passe a vestir melhor, óptimo! Mas gozar não serve para nada…

Sim, há ainda o caso de vermos uma nódoa num jornalista em directo. Sim, aí talvez se justifique o apontar do erro publicamente, por ser uma questão de profissionalismo, mas da minha parte nunca sentiria prazer nisso.

É isso que me incomoda: o prazer que muitos parecem sentir em apontar os erros aos outros.

Vejo pelo menos três problemas nesta atitude de que muitos se orgulham:

  • A possível cegueira quanto aos erros próprios. As pessoas que gozam com os erros dos outros não estão livres de errar (como ninguém está). Às vezes, no próprio comentário em que acusam os outros de erros lá enfiam erros ortográficos. Não seria mais útil olhar primeiro para os textos próprios e só depois desatar a caçar os erros dos outros?
  • Muitas vezes, a forma como se corrige os erros dos outros, em vez de ser uma forma de melhorar a escrita dos outros, é demonstração de falta de civismo. Como disse acima, devemos pensar nisto como pensamos nas nódoas que podemos ver na roupa dos outros: será melhor gozar ou avisar?
  • O grande perigo são os erros falsos. A vontade e o prazer de encontrar erros nos outros é tanta que, nos fóruns de caçadores de erros, vejo muita acusação a erros que não são erros. Só nas últimas semanas, encontrei quem dissesse que «atravessar a Mancha» é erro, que «o jogo acabou de terminar» é erro, que «Netuno» no Brasil é erro, etc. Estas correcções erradas são ainda piores do que os erros, pois aumentam a insegurança, a confusão e a crispação na discussão destes assuntos.

Ainda uma tentação muito específica de quem gosta de encontrar erros: há quem aponte erros nos outros quando estão no meio dum discussão sobre um outro qualquer assunto. Ou seja, estamos a discutir alhos ou bugalhos e o outro lado, à falta de argumentos, aponta-nos um qualquer erro (real ou inventado), a ver se ganha a discussão na secretaria. É uma táctica que merece alguns adjectivos menos agradáveis e que mata qualquer discussão honesta.

Enfim. O prazer do erro é uma tendência infeliz de quem quer mas não sabe como preocupar-se com a língua. Acabam por cair no fetichismo do erro. Ora, a língua portuguesa e a linguagem humana são assuntos muito mais interessantes do que isso. Mesmo muito.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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