O Simão (o meu filho mais velho, de sete anos) entretém-se uma vez por outra a desenhar, num papel, o caminho até à escola. Lá vai desenhando a estrada, com as rotundas, os semáforos, as curvas… Nem sempre acerta, mas entretém-se. Enfim, cada um lida com as saudades como pode. Quando lhe pergunto do que sente mais falta (certamente não será dos semáforos), responde-me sempre que é dos amigos, das brincadeiras, das conversas… É previsível, mas é sincero.
Agora, podia inventar um pouco e dizer que ele me perguntou quem inventou a palavra «escola». Não, nunca me perguntou tal coisa. Mas pergunto eu…
A língua que nos passou a palavra é também previsível: o latim. A palavra, em latim, era «schola». A palavra latina fez escola: aparece não só nas línguas latinas, como em muitas outras línguas, incluindo o inglês, onde acabou com a forma «school». Foi aportar a línguas ainda mais distantes, como o indonésio, onde se escreve «sekolah». Como lá chegou? Por via do português, que levou a palavra até àquelas paragens.
Mas voltemos ao latim. Onde foram os Romanos buscar a palavra? Também não surpreende: ao grego «skholḗ» («σχολή»).
E os Gregos? Inventaram a palavra do nada?
Como acontece muitas vezes, uma palavra anterior ganhou um novo sentido. Os seres humanos, quando precisam de uma nova palavra, olham em redor e pegam nos materiais que já existem. Juntam palavras, reduzem palavras, dão significados novos a palavras que já existem…
A palavra grega «skholḗ» significava algo como «tempo de lazer». Veio a significar também o que se fazia com esse tempo. Ora, o que muitos faziam era conversar — e o que se aprende a conversar!… As conversas entre quem ensina e quem aprende acabaram por dar origem às escolas…
Terá sido este, com mais ou menos desvios, o caminho mental que a palavra fez. A palavra grega já viria de trás, de outras viagens, desde os indo-europeus e, antes deles, desde a origem da linguagem. Mas fiquemo-nos por esta transformação de «lazer» em «escola», origem do sentido da nossa palavra.
Há quem tente ver na origem das palavras a sua verdadeira essência, o seu significado antes das deturpações que vieram depois. É um erro que tem um nome técnico: falácia etimológica. Ora, as tais deturpações são um dos motores da criação de palavras novas. Essas pequenas mudanças criam também uma complexidade em que mal reparamos. Basta pensar em «escola». A palavra tem vários significados relacionados, mas subtilmente diferentes: «o meu filho gosta da escola nova»; «as crianças andam todas na escola»; «aquele filósofo fez escola»; «a tropa foi uma escola para mim». Também aqui reside a riqueza da língua.
Portanto: saber que a palavra «escola» tem origem na palavra grega para «lazer» não nos mostra o verdadeiro sentido da palavra. Mas, enfim, sempre nos ajuda a sublinhar algo muito importante: a escola não é só um espaço onde se ouve o professor. É também um espaço onde se brinca e onde se conversa — com o professor, é verdade, mas acima de tudo com os amigos: conversas sérias, conversas parvas, conversas sobre nada, conversas sobre tudo. Conversas onde se aprende muito.
A escola também é isso e é disso que o meu filho sente falta quando, depois das peculiares aulas dadas por uma fotografia animada da professora, se põe a desenhar, língua entre os lábios, o caminho até ao pátio onde brinca com os amigos.
(Crónica publicada no Sapo 24.)
Haverá alguma relação com a palavra “escol”? Afinal, a “escola” formaria o “escol” da sociedade, não?
É por causa da falta que sente o seu filho, que eu não acredito que o futuro do ensino esteja no telensino. Este poderá vir a funcionar como complemento do ensino presencial, mas nunca mais do que isso! Mesmo nos anos sessenta, a telescola era ministrada em salas de aula (que funcionava na escola primária) com a presença de um monitor que dava apoio aos alunos.
A escola faz falta como lugar em que as crianças aprendem a socializar com os colegas e com o professor, aprendem as regras de convivência em sociedade e aprendem a brincar com os da sua idade. É insubstituível!
Concordo a 100% !
Infelizmente, esta não é a opinião generalizada, em que muitos sustentam que tudo pode ser feito de forma remota.
Pretendo frequentar algumas formações de escrita criativa e estou a aguardar pelo regresso das formações presenciais.
Opinião sábia, João!
Muito obrigada, prof Carlos Neves, pelos seus ensinamentos. Enriquecem muito o conhecimento da nossa língua