Se os jogadores da Selecção tiverem tempo para passear um pouco pelas ruas de Andorra la Vella, ouvirão certamente muito espanhol, algum francês e muito português também. No entanto, nenhuma dessas línguas é a língua oficial do país. A língua de Andorra é o catalão.
É assim há séculos e, por essa razão, o catalão nunca foi apenas uma língua regional. É, para todos os efeitos, a língua dum país soberano.
Já agora, a história daquele pequeno território tem muito que contar: Andorra é independente desde o século XIII e foi criada por desavenças entre condes e bispos. Chegou a ter um russo a arvorar-se como rei ali por volta dos anos 30 do século passado (Boris I de Andorra) e desde 1993 que é uma democracia parlamentar. Tem como príncipe duas pessoas: o Bispo de Urgell e o Presidente da França. Os dois co-príncipes fazem tanto como a rainha Isabel II no Canadá: praticamente nada. Mas são os monarcas de Andorra.
Voltando à língua do país, nos últimos dias, por causa da questão catalã, ouvi aquilo que pensava já não ser possível: pelos vistos, ainda há muitos portugueses que, noutras matérias, estão bem informados, mas no que toca às línguas ibéricas ainda imaginam que o catalão é um dialecto — é o que ouvi chamar ainda há pouco à língua falada por milhões de pessoas do outro lado da península (e, pasme-se, numa pequena cidade italiana).
Ora, a diferença entre língua e dialecto não é simples. Podemos dizer — é uma maneira de ver a coisa — que, num espaço onde convivem dialectos próximos, serão línguas aqueles dialectos que ganharam prestígio para serem usado na escrita, ensinados nas escolas, imaginados enquanto idiomas duma comunidade — isto, claro, quando estamos a tentar discernir as divisões entre formas de falar próximas, como são todas as línguas latinas (o basco, por exemplo, não está sujeito a estas questões: é claramente uma língua, tão diferente do espanhol como o japonês).
Não é simples, pois. Mas neste caso, não há grande lugar para dúvidas. O catalão está separado do castelhano por divisões semânticas e morfológicas bem marcadas no universo das línguas latinas. Há semelhanças, claro, quer devido à comum origem latina quer devido a trocas de palavras e estruturas gramaticais, mas são línguas claramente distintas. O catalão é, no fundo, a evolução do latim popular na zona da Marca Hispânica. A sua origem é distinta da do castelhano.
Não é fácil mostrar uma língua em pouco espaço, mas aqui fica o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos nas duas línguas:
- Castelhano: «Todos los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos y, dotados como están de razón y conciencia, deben comportarse fraternalmente los unos con los otros.»
- Catalão: «Tots els éssers humans neixen lliures i iguals en dignitat i en drets. Són dotats de raó i de consciència, i han de comportar-se fraternalment els uns amb els altres.»
E uma frase que mostra algumas diferenças óbvias:
- Castelhano: «Quiero hablar con mi primo.»
- Catalão: «Vull parlar amb el meu cosí.»
Já que falamos da língua, aqui ficam algumas indicações sobre como pronunciar as palavras:
- O «e» em sílabas átonas lê-se de forma muito parecida ao nosso «a» fechado. Assim, o «els» catalão soa-nos «âls». Já «clássiques» lê-se precisamente como «clássicas» à portuguesa. O próprio nome de Barcelona lê-se «Barçalona»…
- Em geral, o catalão tem vogais mais parecidas com as portuguesas do que com as espanholas. Assim, «Catalunya» lê-se como «Câtâlunha» em português e não como a «Cátáluña», com «aa» abertos, do espanhol.
- A combinação de letras «ig» lê-se como «tch» ou «dj». Já o «t» no final duma palavra não se lê. Assim, o nome do agora famoso presidente (Puigdemont) lê-se «Pudjdamon». A terra Puigcerdà lê-se «Putchsardá»
- O «j» lê-se à portuguesa.
- Já o «ny» é como o «nh» português.
- O «ll» é como o «lh» português.
- Já o «l·l» (um símbolo muito catalão) lê-se como dois «l» separados, como em «síl·labes».
- Note-se ainda o «ç», que não existe em espanhol, mas está em tantas palavras catalãs (a começar por «Barça»). Lê-se à portuguesa, pois então.
Enfim, não é preciso ser a favor da independência da Catalunha para reconhecer algo que é bastante claro: o catalão é uma língua — e uma língua com milhões de falantes (mais do que o dinamarquês, por exemplo) e uma grande tradição cultural e literária.
Para terminar, aqui fica o hino de Andorra, que os jogadores portugueses vão ouvir amanhã. No fim, claro, ganha Portugal.
El Gran Carlemany
- El gran Carlemany, mon pare,
- dels alarbs em deslliurà,
- i del cel vida em donà,
- de Meritxell la gran Mare.
- Princesa nasquí i pubilla
- entre dues nacions, neutral;
- sols resto l’única filla,
- de l’imperi Carlemany.
- Creient i lliure onze segles,
- creient i lliure vull ser
- siguin els furs mos tutors
- i mos Prínceps defensors,
- i mos Prínceps defensors!
Questom catalã, desafio independentista, desafio secessionista, conflito da Catalunya, crise constitucional, crise da Catalunya e/ou da Espanha…
Nom podemos ter 50 nomes. A istória só precisa dum nome, nom máis.
Pois nom esteve tam craro que Portugal ganhasse. Apenas conseguiu marcar 2 goles contra a seleçom “nível deus” que é Andorra, que tem tantas tíduos que já nom se dam contado… Por isso, tivéchedes de sacar o Cristiano Ronaldo, senom inda iríades empatar.
Bom, é normal nũa seleçom que perdeu ũa Eurocopa contra a “grande” Grécia na casa e ganhou ũa Eurocopa após vencer as todopoderosas Croácia, Polônia e Gales. E sendo a primeira seleçom que ganha ũa Eurocopa rematando 3º de grupo, “fazanha” que nom poderíades ter conseguido no 2012; por exemplo. O único mérito foi vencerdes à França.
Nom sei como podedes estar tam mal, acho que; coa calidade dos vossos jogadores, deveríades passar de 1º do vosso grupo. Marcar 2 à Andorra tamém o pode fazer o Liechtenstein. A ver se acabades com ista vergonha dũa vez. E em tôdolos deportes, pois os vossos medalhistas olímpicos se podem contar.
Sinto se ofendim a alguém, mais é o que penso.
Independentemente de ter razão ou ser apenas “dor de corno”, o seu comentário de reclamações desportistas, está um bocado deslocado aqui, num blog sobretudo referente a linguas.
O autor disse que ia ganhar Portugal “craramente”…
No meio de tanta ignorância é óptimo que alguém ponha os pontos nos iis. O seu blogue é muito útil!
Muito interessante como sempre. E verdade que muitos espanhois dizem que o catalao e so um dialecto do castelhano. Essa atitude molesta-me muito – e eu sou irlandes… Parece-me que em termos de vocabulario o catalao tem pelo menos tantas diferencias com o castelhano como a lingu portuguesa, nao e?
Como se diz, e com muita razao:
´´Uma lingua e um dialecto que tem exercito proprio.´´