Vamos imaginar um país que não existe. Chamemos-lhe Lândia. No norte de Lândia, fala-se norlandês. No sul, fala-se sudolês. Ora, os sudoleses falam todos, entre si, sudolês. Ensinam aos filhos sudolês. Lêem sudolês. Sentem-se sudoleses, mas estão num país chamado Lândia, onde a língua oficial é o norlandês (que os norlandeses também chamam, simplesmente, “landês”, porque consideram-na a língua principal do país).
No Parlamento regional do norte, fala-se norlandês e é proibido falar sudolês. No Parlamento regional do sul, fala-se sudolês, mas também se pode falar norlandês.
Todos os sudoleses aprendem norlandês na escola e sabem usá-lo para falar com os norlandeses, alguns dos quais até vivem no sul sem precisar de aprender a língua do sul. Um sudolês que vai para o norte tem de usar sempre norlandês. É impossível a um sudolês que viva no norte pôr os filhos numa escola onde se ensine sudolês. Já no sul, todas as escolas ensinam as duas línguas.
Um filho dum sudolês, a certa altura, pergunta: por que razão eu tenho de aprender a língua do norte, mas eles não querem saber da nossa? Será que a nossa língua é menos importante?
Ora, argumentam os do norte: sim, é menos importante. É muito menos falada. No norte, vivem 40 milhões de pessoas, no sul vivem 7. Mas, para lá dos números, o pai sudolês fica um pouco incomodado por ter de dizer ao filho que a sua língua, no norte, é pouco menos que proibida e nunca pode ser usada pelos políticos que os representam na capital (que fica no norte, claro está).
O pai sudolês também não gosta de ir com o filho de viagem e ouvir sempre: ah, então se são da Lândia, falam norlandês. Explica sempre, com calma, que eles sabem falar norlandês, mas a sua língua própria é o sudolês. Quando dizem isto, ouvem muitas vezes: «isso é um dialecto». Ou então chamam-nos de «nacionalistas» com ar de insulto.
Os sudoleses começam a querer mudar isto. Sentem-se mal. Sentem-se inferiores. Alguns políticos sudoleses começam a aproveitar a onda e a espicaçá-la. Os nordoleses não querem saber: a língua da grande Nação da Lândia é o norlandês. Tudo o resto são restos regionais.
A situação acaba por descambar no crescimento dos partidos independentistas do sul. Os sudoleses querem a independência. Querem um país onde possam falar a sua língua à vontade, sem injustiças.
Haverá forma de resolver isto sem destruir a bela Lândia?
O Governo da Lândia pode usar o modelo canadiano: as duas línguas passam a oficiais em todo o território, mas cada região usa uma delas como principal. Todos aprendem as duas.
A ideia parece boa, mas os norlandeses não querem: nunca por nunca vão obrigar os 40 milhões de norlandeses a aprender uma língua «que não serve para nada».
Os sudoleses encolhem os ombros: «Estão a ver? Eles acham que a nossa língua não serve para nada! Queremos a independência!»
No entanto, para lá de obrigar milhões a aprender uma língua, há sempre a hipótese de a respeitar um pouco mais: de tê-la como opção; de permitir o seu uso no Parlamento; de usá-la nas cerimónias; de considerá-la tão digna como qualquer outra, menos que minoritária.
Afinal, a língua, neste país chamado Lândia, é um dos grandes factores de identidade. A forma como o governo central trata a língua é vista como sintoma da forma como olha para a identidade que está ligada a essa língua. Os sudoleses sabem bem que a sua identidade não é tão bem vista pelo governo central como é a identidade norlandesa.
Por haver esta ligação íntima entre língua e identidade, com alguma sorte, oferecer alguma igualdade simbólica às línguas resolverá a situação, ou talvez apague um pouco o fogo.
Depois, os landeses (todos: do sul e do norte) podem pensar em criar uma federação: o governo federal usará as várias línguas e cada estado escolherá a sua língua própria. No final, todos ensinam a língua do outro e nunca haverá problemas de comunicação.
Enfim: tudo isto para dizer que, nestas situações, o nacionalismo não está só dum lado. Há também desconsiderações às vezes involuntárias, algum sentimento de injustiça, muitas narrativas históricas empoladas, um pouco de vitimização e, sempre, esse sentimento de tribalismo muito humano, que tem de ser gerido e nunca ignorado.
Claro que este artigo, que já vai longo, tem a ver com a Catalunha e com o seu difícil encaixe numa Espanha onde ainda muita gente quer ver uma Nação única e de fala castelhana. Substituam “Lândia” por “Espanha”, “norlandês” por “castelhano”; “landês” por “espanhol”; “sudolês” por “catalão” e tudo fará mais sentido.
Sim, a situação espanhola não é tão simples como a descrita acima: há mais do que duas línguas e muitos outros factores. Mas pensemos, então, na Suíça. Talvez Espanha possa sobreviver se quiser ser um pouco mais como a Conferação Helvética: há uma língua preponderante (o alemão, no caso da Suíça, o espanhol, no caso de Espanha), mas a nível federal as quatro línguas do país são consideradas igualmente legítimas e nacionais. E uma delas (o romanche) é falada apenas numas quantas aldeias num canto remoto do país…
O futuro de Espanha talvez passe por aí: dar dignidade a todas as suas línguas e reinventar-se como uma nova Suíça. Há modelos bem piores…
Olá!
Plagiei a sua história para fazer uma comparação, pois gostei muito.
Se não se importa lá vai…
No Brasil se fala português brasileiro(PB), mas o governo e as intituições dizem que se fala português e pronto.
Todo brasileiro aprende em casa o PB e na escola aprende o português europeu(PE). Um brasileiro quando decide exercer certas profissões tem que usar sempre o PE, pois é impossível que ele seja respeitado como um profissional competente se não usar a “língua certa”.
Um filho dum brasileiro, a certa altura, pergunta: por que razão eu tenho que falar como o europeus? Será que falamos tão mal assim? Ora, argumentam os europeus e meia dúzia de brasileiros: sim, vocês, pobres coitados, estragaram nossa língua.
Os brasileiros também não gostam de ir de viagem e ouvir sempre: ah, são brasileiros, então são analfabetos. Eles explicam sempre, com calma, que eles sabem falar português, mas um pouco diferente do padronizado. Quando dizem isso, ouvem muitas vezes: Isso não é diferente, é português falado errado.
Os brasileiros se sentem mal. Se sentem inferiores. Alguns começam a aproveitar a onda e querem criar a Língua Brasileira. Querem ter direito a falar a sua língua à sua maneira. Mas todos riem e os chamam tolos. Afirmam que seus ideais são um disparate.
Um poderia estipular contextos específicos em que a norma padão é requerida (como o alemão suíço). Mas não… preferem obrigar 200 milhões a falar como 11 milhões que, do outro lado do atlântico, usam a língua com toda a pureza a ser preservada e copiada.
Afinal, a língua é um dos grandes fatores de identidade. A forma como o governo central trata a variação é vista como sintoma da forma como olha para a identidade que está ligada a essa variação.