Hesito — entrar neste tipo de discussões sem andar aos gritos é como tentar falar calmamente no meio de uma rixa de bar, às três da manhã.
Ora, parece que o ex-presidente brasileiro Lula da Silva andou a dizer que os Portugueses são responsáveis pelos atrasos educacionais do Brasil, porque não criaram universidades, ao contrário do que se fez noutros países americanos.
Parece também que ele disse isto a uma plateia de espanhóis — um brasileiro a dizer mal de portugueses a espanhóis: isto é suficiente para pôr muitos portugueses em combustão.
Acalmemo-nos. O que acontece é só isto: Lula está errado. Não me parece correcto acusar «os Portugueses», assim, em geral, destas mal-feitorias no Brasil.
Porquê? Ora: os portugueses que foram para o Brasil ficaram por lá. Os brasileiros de hoje em dia são os descendentes desses portugueses (que criaram ou não universidades).
Nós, que por cá estamos neste canto da Europa, descendemos dos que por cá ficaram e não participaram na construção desse grande país de além-mar.
Isto, claro, generalizando… As coisas são — sempre — mais complicadas. Mas julgo não ser grande erro dizer que esses Portugueses que não criaram universidades são (vejam lá a ironia) os avós dos brasileiros. São, se virmos bem, brasileiros.
Pensem lá: no momento da independência do Brasil (há quase 200 anos!), saíram de lá portugueses aos molhos, de regresso à pátria, deixando para trás um povo que já lá estava antes? Não, claro: os portugueses que por lá estavam ficaram, agora chamados brasileiros.
Depois, vai-se a ver e já havia por lá ensino superior, mas sem o nome de «universidade». Tivessem esses portugueses/brasileiros chamado às escolas superiores que criaram «universidades» e tudo estaria bem, na lógica um pouco simplista de Lula.
Mas será que é mesmo assim tão simplista? Lemos os artigos que espalham a notícia incendiária e vemos que o ex-presidente acusou também as elites brasileiras dos últimos 100 anos de nada terem feito para desenvolver a educação do país, ao contrário do seu governo.
Ou seja, certa ou errada, a análise era mais profunda e menos enviesada contra os portugueses do que nos parece a nós, que lemos apenas os títulos. Era uma análise de defesa da sua herança política, um pouco mais banal do que parece ao nosso coração sensível. Não é nada que nos deva enervar por aí além.
Mas enerva, eu sei. Ouvir dizer mal da nossa tribo custa tanto como ouvir dizer mal de nós próprios. Por outro lado — diga-se —, dizer que os nossos problemas são culpa dos outros é bastante agradável.
O tribalismo é lixado.
A coisa é ainda mais risível quando um português, o saudoso Agostinho da Silva, foi um dos fundadores da Universidade Federal de Santa Catarina…
A tua análise está absolutamente correcta, Marco. No entanto, não deixa de ser verdade que a primeira universidade brasileira (São Paulo, salvo erro) foi criada apenas no século XX. Além disso, julgo que mesmo as tipografias eram proibidas no Brasil durante o domínio português. Ou seja, o livro tinha de ser impresso em Portugal, além de ter de obter o “Imprimatur” das autoridades…
Obrigado, Rui!
Não sabia do «pormenor» da proibição das tipografias, que me parece uma imposição absurda por parte, agora sim, do Estado português.
Já quanto às universidades, há um hiato de praticamente um século entre a independência e essa primeira instituição e, por isso, parece-me muito tendencioso mandar culpas para cima de Portugal.
Um grande abraço!
Excelente e esclarecedor o texto presente.Altamente sensato e elucidativo para a emocionalidade de alguns que emitem opiniões por leitura de machetes, por vezes tendenciosas. Há uns anos, muitos, foi bublicada uma manchete em tideterminado jornal,que rezava assim: VIOLADA NO COLIZEU!.
Tal noticia levou a uma compra desse jornal no dia da publicação de forma desusada,psara poderem ler a descrição.daquilo que alguns pensavam algo de extraordinário.Concluindo a noticia dizia respeito a concerto musical a ter lugar no Colizeu por uma orquestra de violas.Logo a manchete falava de “violada” no Colizeu.O perigo das manchetes,quase sempre com desígnios obscuros.
O seu artigo despertou minha curiosidade e fui pesquisar, parece ser que logo após a chegada ao Brasil, em 18 de fevereiro de 1808, D. João VI mandou criar a Escola de Cirurgia da Bahia, que em 1832 ganhou o nome de Faculdade de Medicina da Bahia, que guarda até hoje
http://www.fameb.ufba.br/index.php?option=com_content&view=article&id=54&Itemid=73
Lula é um falastrão, aqui no Brasil, ele e toda a esquerda culpam os militares de terem acabado com a educação no Brasil. No entanto, o Partido dos Trabalhadores já está há mais de 12 anos no poder e o que fez para reverter essa situação?
Abraço, Marco!
“Acalmemo-nos. O que acontece é só isto: Lula está errado. Não me parece correcto acusar «os Portugueses», assim, em geral, destas mal-feitorias no Brasil.”
“Porquê?”….
Prezado Marco Neves, Saudação! Não leve Lula a sério. Ele está errado, sim.
Mas, tratando-se do Português (e não, dos portugueses) de hoje em dia, depois do último Acordo Ortográfica, ainda devemos continuar a acentuar a palavra Porque quando em fim de frase, como você o fez.
Estou perguntando humildemente. Gostaria de tirar minha dúvida com você?
Caro José, muito obrigado pelo comentário. Por aqui, o “porquê” continuará a ter acento por três razões:
1. O acento não cai com o acordo.
2. Mesmo que caísse, neste blogue, não estou a seguir o acordo.
3. Em Portugal, a pronúncia de “porquê” é muito diferente de “porque”. Por cá, “porque” é lido como “púrk” e “porquê” é lido como “purkê” [esta notação fonética é improvisada…].
Obrigado pela visita e até breve!