Episódio 1: em resposta ao meu artigo anterior, alguém diz, no Facebook, que a expressão «espaço de tempo» (como em «num curto espaço de tempo») é parvoíce, porque qualquer pessoa que tenha aprendido alguma coisa de Física sabe que o tempo e o espaço são distintos.
Episódio 2: uma página humorística apresenta a seguinte imagem como mais uma prova da estupidez humana:
O que se passa aqui? Ambas as pessoas (o comentador do episódio n.º 1 e o autor da página no episódio n.º 2) presumem sem duvidar que há quem confunda o tempo com o espaço ou que não saiba que «peace» não se escreve «pisse».
Tanto num caso, como no outro, estão a subestimar os outros. As expressões espaciais para falar do tempo não implicam que a pessoa que as usa seja tão estúpida que não saiba que o tempo e o espaço são diferentes. São apenas uma forma de falar do tempo usando metáforas visuais, facilitando a sua compreensão. Fazemos isto com muitas expressões e em muitos campos do saber. A linguagem seria impossível sem esta capacidade de expansão através da metáfora.
No caso da imagem, esquece-se o humorista que pode haver trocadilhos muito belgas. E mais não digo quanto a isso.
Ou seja, no primeiro caso, não é impossível que alguém seja tão estúpido que não perceba que espaço e tempo são diferentes. Não é impossível, mas é extraordinariamente improvável! No segundo caso, talvez não seja tão improvável assim que haja quem não saiba escrever bem «peace», mas quem conhecer Bruxelas saberá que «pisse» remete para um certo e determinado menino e, por isso, a probabilidade de estarmos perante um disparate diminui de forma muito marcada.
Numa frase: é boa ideia dar o benefício da dúvida antes de chegar a conclusões tão definitivas sobre a estupidez dos outros.
Afinal, quem subestima os outros arrisca muito. Todos nós, naturalmente, sobrestimamos as nossas capacidades e subestimamos as capacidades dos outros. Por exemplo, na estrada, quase todos os condutores julgam ser melhores do que os outros. Muitos acidentes terão origem nesse excesso de confiança. Noutros casos, achamos que os outros são parvos e acabamos por ser injustos sem necessidade.
Por tudo isto, mais vale apostar nisto: nem sempre os outros são tão parvos como nós os pintamos na cabeça. O mundo é surpreendente, vão por mim. Em caso de dúvida, mais vale sobrestimar os outros. É mais seguro.
E agora um final feliz: para provar que nem sempre as coisas correm mal no Facebook, tenho a dizer que a discussão relatada no episódio n.º 1 acabou em bem. Apesar de não concordar com o comentador, o diálogo foi muito civilizado e houve até um aproximar de posições. Incrível, não é?
A língua portuguesa é muito bonita e rica de expressões idiomáticas. Às vezes imagino como seria o nosso português sem essas saborosas locuções familiares como: dar com a língua nos dentes, botar a boca no trombone e outras que tais.
Sim, felizmente a língua não se dá bem com quem a quer arrumar à força. Há expressões que parecem pouco lógicas, mas fazem parte da língua. E ainda bem!
Os conceitos de espaço e de tempo, são um bocado abstratos para crianças até determinada idade. Sei por experiência própria. Quanto aos adultos, creio que não haverá dúvidas….penso eu. Sempre utilizei essa expressão e continuarei a usá-la com muito gosto. Quem não gostar…paciência!
Era sempre possível chatear a pessoa do episódio 1 lembrando que desde Einstein que se fala num espaço-tempo 😀
Ver esta:
http://observador.pt/opiniao/insustentavel-leveza-da-lingua-portuguesa/
Acabei de publicar um post sobre este artigo que me enviou. Muito obrigado!