Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

O sotaque de Guterres

Leio incrédulo algumas críticas ao inglês de Guterres por parte de portugueses muito ciosos da pureza da língua inglesa. Parece que, para algumas pessoas, falar bem inglês é imitar na perfeição um certo sotaque britânico — sotaque esse que, diga-se, muitos ingleses não se dão ao trabalho de imitar…

Deixem-se lá de provincianismos: Guterres fala bem inglês, mas não é inglês — e não vai começar a imitar o inglês posh só para dar festinhas às ideias malucas dos conterrâneos que confundem falar bem com imitar bem.

Fora de Portugal, não deve ter havido uma única pessoa a queixar-se do inglês do homem. Esta é uma mania muito nossa: já alguma vez ouviram algum inglês queixar-se que este ou aquele político fala francês com sotaque pouco parisiense?

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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11 comentários
  • Como ex-professora de inglês no Instituto Americano em Lisboa há 30+ anos, faz-me rir ouvir estas ideas das pessoas. Sou Americana, mas vivemos cá em Portugal, e às vezes os nossos alunos diziam que o nosso “inglês” não era correcto, pois não falávamos como os britânicos, nem sotaque, nem o mesmo vocabulário. Depois, mudámos ao Porto para dar aulas lá no mesmo instituto, e algumas pessoas nos perguntarem porquê não falávamos português depois de dois anos cá. “O quê?” perguntamos. A resposta: “Parecem que estão de Lisboa.” !?!? (É favor de desculparem qualquer êrro que tivesse feito em português!) 🙂

    • Não é “ParecEM que ESTÃO de Lisboa.”, mas sim “PareCE que SÃO de Lisboa.” O verbo inglês “to be” pode ser traduzido em português por “ser” ou “estar”. Contudo, em português “ser” é diferente de “estar”. “Ideia” e não “ideas”, “erro” e não “êrro”. Cordialmente.

  • Ai os tuguinhas… (claro que eu também sou um deles, mas há uns bons anos que aprendi o que é a nossa ‘picuísse’, pelo que atualmente, a sinto a “coisa” como um misto de comédia e perplexidade…)

    Então, quando ouço na rádio nacional ‘jovem’ (sim, a 3), os anúncios a espetáculos no local conhecido como”LX Factory” e pergunto-me: “-Porque raios falax a letra ‘X’ à portuguesa e tudo o resto já pode ser naquele ‘sotaque’ inglês radiofónico tão (aparentemente) perfeito?

    Porque não dizem “Éle, éqss, factory”?

  • Quem se queixa do sotaque inglês de Guterres é porque nunca ouviu Mário Soares a falar francês… Tive um professor que dizia que era de bom tom falar com um forte sotaque uma língua estrangeira…

  • Somos 10 milhões de Portugueses a habitar em Portugal e mais uns quantos no estrangeiro.
    Nesses 10, haverá 10 opiniões diferentes sobre seja o que fôr.
    Como agora as tecnologias dão voz a esses 10, haverá sempre quem faça comentários parvos acerca do que quer que seja.

    Ou seja, continuas a combater moinhos de vento.

    • Olha, no próximo post vou combater um moinho de vento dos grandes: o Pacheco Pereira… mas depois tentarei esquecer os moinhos e passar a temas mais interessantes, fica prometido!

  • Dom Quixote é daqueles inúteis que nos dão uma utilidade imensa, haja vista que depois de tantos anos desde Cervantes ainda estamos a referi-lo hoje em dia. Tantos Quixotes surjam quantos Panças os advertirão. E a vida continua (até a próxima Grande Extinção) produzindo novos quixotes e novos panças, ou como diziam Lennon e MacCartney, “o-bla-di, o-bla-da” life goes on, how life goes on”. Mas, indo diretamente ao texto de Marco Neves, dizia-me um antigo professor: quando forem à Europa ou qualquer outra parte, nunca falem o idioma local para não ser objeto de risada; se estiverem na Espanha, falem português, na Itália falem francês, Na França o inglês. No entanto, minha opinião, ao contrário, é de que o falar com sotaque carregado é que nos identifica como estrangeiro e assim poder ser tratado pelo nativo de modo adequado, isto é, principalmente ser mais paciente, tolerante e colaborador, etc., afinal que mal faz despertar uma risadinha aqui e acolá? Bem faz o nosso Guterres…

  • Como os Portugueses veem os estrangeiros que visitam Portugal e falam português do Brasil ? Opa

  • I “sinque” é uma questão de “picuísse”? Tem a ver com um sotaque britânico ou não? Se eu (que sou português) consigo dizer corretamente (em sotaque americano, britânico, australiano ou o que seja) “I think” (usando a lingua) porque raio o Guterres, o Mário Augusto, o Mourinho e outros, não conseguem dizer? Porque se estão nas tintas! Se se fala português, fala-se corretamente e o mesmo se aplica ao inglês, ainda para mais em questões oficiais, como o caso do Guterres. É a pensar assim que é “normal” os estrangeiros pensarem que é “normal” ter um sotaque carregado quando falamos inglês. Eu sim, leio incrédulo o texto/opinião de um professor de línguas quando acha o inglês do Guterres “bom”. Concordo consigo relativamente ao seu conhecimento (do Guterres) da língua/vocabulário. Sabe concerteza bem mais que eu (e tem obrigação pelo cargo que ocupa) mas o seu sotaque é sim, pavoroso. Não é provincianismo! Ou se fala corretamente inglês ou não se fala! Mas até compreendo a maioria dos comentários criticos daqueles que criticam o péssimo sotaque do Guterres, (e da maioria dos portugueses) embora, para além de mim, nunca tenha ouvido falar num (ou numa) sequer. É que a maioria também não sabe ou não quer (porque consegue se tentar). Provavelmente também será o seu caso, sr professor… Talvez esteja enganado mas, para alguém que escreve o que escreve aqui, talvez não tenha a noção que o seu sotaque também é péssimo. Se estiver enganado, peço desculpa.

    • Caro Iuri,

      Em relação ao sotaque de Guterres, não vou insistir no argumento. Convido-o apenas a ouvir este episódio, em que comparo com outros secretários-gerais: https://podcasts.apple.com/lu/podcast/o-sotaque-de-guterres-repeti%C3%A7%C3%A3o/id1481835634?i=1000597619249

      Em relação ao “sinque”, há uma explicação simples para esse fenómeno. O som inicial de “think” é a consoante /θ/, muito mais parecida com o nosso /s/ do que o nosso /d/. Já o som de “the” é /ð/, muito mais parecido com o /d/. A maioria dos portugueses não faz esta distinção ao falar inglês, usando o som /ð/ tanto para “think” como para “the”. Os falantes que está a referir tentam fazer a distinção, usando o /s/, bastante mais próximo do original do que o /d/. Os nossos ouvidos portugueses raramente conseguem ver esta diferença. No fundo, é uma tentativa de encaixar o som inglês na fonética portuguesa, mas que é bastante mais acertada do que o uso do /d/.

      Quanto ao meu sotaque, convido-o a ouvi-lo quando tiver oportunidade e a avaliá-lo por si.

      Estou ao dispor.

      Cumprimentos sinceros,

      Marco Neves

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