Sim, o Facebook é perigoso. E não há dia em que não tropecemos numa das suas armadilhas.
1. O Facebook atira-nos açúcar para os olhos
O que quero dizer com esta frase? Isto: no Facebook, estamos expostos a notícias (verdadeiras, falsas, assim-assim) — e algumas notícias falsas são irresistíveis… Ainda esta semana ouvi, ao meu lado — sim, às vezes oiço conversas de quem se senta ao meu lado ao almoço — um casal muito sério, muito ponderado, a discutir afincadamente a notícia de que Trump quer ficar com a Ilha Terceira por usucapião. Onde tinham lido a notícia? No Facebook, claro.
Não me interpretem mal: já devo ter acreditado em notícias tão ou mais parvas. Mas a minha boca abriu-se, o garfo caiu e olhei arregalado para o casal, que me ignorou por estar embrenhado em bizantinas discussões sobre essa agressão de Trump ao nosso país.
Como era possível acreditarem em tal disparate?
Parece que engolimos tudo o que tenha a ver com a nossa tribo e meta figuras que, por uma razão ou outra, desprezamos. Quando alguém encontra uma notícia sobre Portugal e que meta algum suposto inimigo, é ver o espírito crítico a ir pelo ralo.
E acontece o mesmo com os clubes, com os partidos… As notícias são lidas pelo lado da tribo e da necessidade de atacar os inimigos — e é difícil escapar disto. As redes sociais não criam estas tribos, mas atiram-nos açúcar em forma de notícias apetitosas, que alimentam esse mesmo tribalismo. Há por lá açúcar com as cores de todas as tribos e notícias à medida de todas as obsessões.
2. Levamos tudo a mal (e não gostamos das ideias dos outros)
As notícias absurdas do tipo «Trump vem aí conquistar-nos as ilhas» também se espalham porque é difícil dizer «olha, isto é falso» sem parecer que nos estamos a armar em espertos. No dia-a-dia, em privado, gozamos uns com os outros, brincamos com os nossos erros, rapidamente percebemos quando pisamos o risco. No Facebook, estamos a apontar o erro em público e não podemos sorrir, encolher os ombros, dizer «deixa para lá»…
Mais: nessa rede social cujo nome não vou repetir, não temos maneira de acabar a discussão com um aperto de mão, um sorriso ou uma outra conversa sobre assuntos menos complicados. Enredamo-nos em comentários atrás de comentários, como se fosse um jogo. E, claro, ninguém quer perder.
Parece que vivemos e discutimos com holofotes apontados à cabeça. Sentimo-nos num palco, com todos os amigos a ouvir, na plateia, enquanto gritamos com o nosso oponente de ocasião (embora, na maior parte das vezes, não esteja ninguém a ver).
Tudo isto é a receita para discussões intermináveis, em que ninguém dá o dedo mindinho a torcer.
Depois, claro, todos nós carregamos as nossas ideias e inclinações particulares enquanto andamos na rua — e poucas vezes as atiramos à cara dos outros. Já no Facebook (lá tive de repetir o nome), as ideias dos outros estão ali e temos de viver com este facto: às vezes, não concordamos com aquilo que os nossos bons amigos dizem. Mais: há pessoas com ideias muito diferentes das nossas. E ainda mais: há quem acredite em ideias absurdas. (Há dias em que somos nós.)
E temos o problema das certezas indignadas: quando acontece qualquer coisa que nos deixa com o coração aos saltos, como os incêndios da semana passada, apanhamos com todas as certezas do mundo e com aquela indignação tão comum «mas porque é que ninguém faz o que eu digo»?
Cansa. A sério que cansa. E todos nos cansamos uns aos outros.
3. Desistimos ainda de chegarmos ao que é bom
É precisamente por ser cansativo que muitos acabam por cair numa outra armadilha: desistir. Quantos não andam por aí que julgam ser o Facebook e tudo o que o rodeia um mundo infecto, que não vale a pena visitar?
Mas, na verdade, com um pouco de esforço, a tal rede (tal como muitas outras destas invenções que alguns desprezam e quase todos usam) dá-nos muita coisa boa.
Quando os excitados já passaram ao próximo assunto, quando os memes e as imagens e as frases compungidas já desapareceram sob o peso do novo caso do dia, é então que aparecem discussões interessantes, comentários um pouco mais bem pensados, gente que até explica as coisas, ensina, aprende, discute. Esperar por esses momentos é mais cansativo do que andar sempre na crista da onda. Essas conversas estão menos visíveis, são menos tribais, dão origem — em certos dias — a esse crime imperdoável que é haver gente que muda de opinião (mesmo que ligeiramente) perante bons argumentos e novos factos. Sim, isto existe. Só temos de estar atentos.
Nessas conversas escondidas, li e aprendi alguma coisa sobre a floresta portuguesa nesta semana terrível. Não chega para ter uma opinião que valha a pena divulgar, mas deu para ler artigos e ouvir falar de livros sobre o assunto. Chegou para desbravar algum caminho — e para ter menos certezas e menos ideias simplistas.
Então se daí partirmos para boas conversas, para leituras mais profundas e, depois, para a acção — talvez esse mundo difícil e armadilhado das redes sociais até valha a pena. E, depois, já há quem tenha aprendido as regras de etiqueta para dizer «não, o Trump não quer a Terceira». Já não é tão difícil resistir à tentação de comentar tudo. Já não é tão surpreendente ver as ideias diferentes dos outros… Devagar, aprendemos a viver com mais esta maneira de conversar, de viver, de estarmos com os outros, mesmo à distância. Embora, claro, nada substitua uma boa conversa mesmo ali em frente ao nosso amigo — e no fim um abraço.
(Publicado no Sapo 24 no dia 25 de Junho de 2017.)
Calma. A NET é um mundo novo, ainda não se aprendeu as suas regras de etiqueta. Depois da paranóia egóica que o Facebook estimula, virá uma nova sabedoria, para os que gostam de aprender e conviver…
Acredito que essa sabedoria já começa a aparecer aqui e ali. É como diz: é preciso ter calma. Obrigado!
O facebook é como tudo tem que ser usado com critério e espírito crítico… não será assim?
Talvez faça perder muito tempo à procura das tais pérolas que valem a pena, mas que forma extraordinária de aproximar pessoas, difundir ideias, discutir problemas, um mar de possibilidades a explorar.
Cansei-me tanto de todo o mau que rola no fb e de ser alcunhada de ignóbil e desconhecedora quando explicava assuntos que conheço de olhos fechados mas que as minhas palavras não concordavam com os demais interlocutores perfeitamente energúmenos que me afastei completamente.
Louvo os persistentes.
Nunca discutas com um idiota.
Ele arrasta-te até ao nível dele, e depois vence-te em experiência
É original como até aqui no blog as pessoas reagiram ao assunto das redes sociais… na RPC em vez do Facebook é o WeChat, ou Weixin, que eles afirmam ser muito mais avançado.