Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Uma alhada das antigas (e o mundo num botão)

Já sei, já sei: devia estar a escrever a continuação daquela história do tesouro que escondemos dos espanhóis. E estou! Mas demora, porque tudo aquilo dá muitas voltas e aqueles pobres namorados nem sabem bem onde estão metidos.

Mas lá chegaremos. Agora tenho de cumprir uma promessa que fiz a mim mesmo. Uma espécie de desafio parvo que inventei e que tenho de cumprir sob pena de não me conseguir olhar ao espelho.

Então, deixem-me lá contar-vos como me meti nesta alhada.

Estava eu numa daquelas sessões que nos calha a todos em que temos de ir às compras e vemo-nos na aborrecida situação de esperar que a nossa mulher experimente roupa de vários tamanhos e feitios. Não me estou a queixar! Também tenho de comprar roupa e a Zélia espera e ajuda-me quando é preciso. Faz parte da vida…

Mas, enfim, ali enfiado no meio de prateleiras de roupa, pensei passar aqueles minutos usando a mais poderosa ferramenta para matar tempo: a Internet no telemóvel.

Sim, até podia ter lido um livro, mas eram poucos minutos e estava com a cabeça muito nas nuvens. Também podia ter ido ao Facebook. Mas está muito visto.

Vai daí, fiz uma coisa daquelas mesmo estranhas: fui à Wikipédia e carreguei no botão «Random». Para ler um artigo ao calhas.

Pois é: não sei se sabem, mas a Wikipédia dá-nos a possibilidade de escolher um artigo ao calhas entre os milhões e milhões de artigos criados por pessoas de todo o mundo. É fascinante ver toda a estonteante variedade do mundo naquele mundo reduzido duma enciclopédia criada pelos seus próprios leitores.

Descobri nessa loja de roupa que o botão é viciante. Vá: experimentem. Carreguei várias vezes e fui desde flores que só existem no Brasil até edifícios históricos dos E.U.A., passando por campeonatos de ténis dos anos 70, conceitos de linguística, a lista de todos os senadores canadianos que começam pela letra Y (a sério!), álbuns de cantores pimba australianos e um grande e aterrador et caetera.

Ah, e jogos de computador que só os japoneses conhecem. E ruas duma aldeia da Áustria. E estátuas em São Petersburgo. E posições sexuais que não lembram ao diabo (ou melhor, ao diabo lembram, mas a mais ninguém).

É mesmo viciante. Admito: talvez seja um vício muito restrito e pouco interessante. Mas não conseguia parar de carregar no botão para saber até onde me levaria neste mundo louco. Lembrou-me, assim muito vagamente, aquela série da minha adolescência, Quantum Leap, em que a personagem nunca sabia onde iria cair no episódio seguinte.

Bem, aos saltos pelo mundo virtual, a verdade é que continuava no mesmo sítio. A Zélia sai do provador, o feitiço desfaz-se, eu sorrio — e lá saímos os dois dali para fora (os dois, sim: o Simão estava a passar o serão em casa dos primos que isto de ir às compras com o filho é uma categoria de pesadelo que não vem na Wikipédia).

Foi então que me lembrei deste desafio: pensei para comigo — tenho de ser capaz de escrever um artigo sobre o assunto que me calhar nesta roleta russa maluca.

Ou seja: carrego no botão e tenho de escrever qualquer coisa sobre o tema que de lá sair. Seja ele qual for: o primeiro presidente da Câmara de Frenchville, Maine? Sai artigo! A posição sexual preferida de Hitler? Vamos a isso! A lista de deputados do Uganda? Com certeza!

Sorri. Era isso mesmo. Estava decidido. Ia mesmo desafiar-me a mim próprio. O blogue nunca mais seria o mesmo!

Mas, já com o polegar em cima do botão, hesito. Porra: e se me sai uma coisa intragável? Ou para maiores de 18? Ou tão desinteressante que nem o Garrett conseguiria escrever alguma coisa de jeito?

Mas um desafio é isso mesmo: um desafio. Tenho de me aguentar à bronca…

Estou a andar ao lado da Zélia quando carrego no botão e o mundo começa a rodar à minha volta. Sinto-me transportado milhares e milhares de quilómetros.

O que me calhou nesta rifa do mundo inteiro? Bem, conto-vos no tal artigo, que será o próximo.

Podia ser pior, mas não deixa de ser uma grande alhada. Veremos como me safo desta.

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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