Depois das férias, o dilúvio — de trabalho e outros assuntos pendentes. Pois, hoje, aproveito para fazer alguma divulgação e, por isso, deixo-vos aqui um excerto da introdução do livro Doze Segredos da Língua Portuguesa. Nele, descrevo uma forma de olhar para a língua que pode ser resumida nestas palavras…
O que fazer com esta língua?
Na última parte [deste livro], pergunto o que fazer com a língua e dou algumas sugestões que espero serem úteis para quem gosta de escrever um pouco melhor todos os dias. No fundo, o que defendo é uma atitude que pode ser descrita por estas palavras:
Exigência
Digo isto porque há alguns simplistas de ocasião que acham que tudo o que vá para lá do mero coleccionismo de erros é facilitismo. Olhe que não! Fácil é inventar erros. Difícil é ir tentando melhorar todos os dias, pela escrita, pela leitura, pela humildade de aprender o que é a língua e o que é a linguagem humana. Não há soluções fáceis — mas não podemos desistir de aprender e ensinar a escrever e a falar, cada vez melhor, todos os dias.
Curiosidade
É isso que sinto pela língua, acima de tudo. Curiosidade sobre a forma como a língua é vista e vivida, curiosidade pelas várias formas da mesma (incluindo aquelas que não fazem parte da norma — benzam-se agora, ó Diáconos Remédios desta língua), curiosidade pelas outras línguas e ainda curiosidade pela linguagem humana como fenómeno cultural e, vejam lá bem, biológico.
Depois, sigo por aí fora: curiosidade pela língua na literatura (uma das minhas paixões), curiosidade pelas trocas entre línguas (de palavras e de textos — afinal, a minha profissão está ligada à tradução) e também uma curiosidade tremenda ao ver o meu filho a aprender a falar de forma tão fácil e surpreendente.
Civismo
Sim, isso mesmo: civismo. O pânico e o histerismo linguísticos são de tal ordem, que muitas discussões acabam em insultos, descomposturas que não lembram ao diabo, acusações de dedo em riste e, em geral, muito gozo e muita sobranceria ao discutir os erros dos outros em público.
Ai, os erros de português dos outros… São feios, mas reparem nisto: não será melhor apontá-los em privado (numa mensagem de Facebook, por exemplo)? E, para mais, não será mais útil concentrarmo-nos nos nossos próprios erros?
(Agora, uma confissão: uma vez por outra também caio na tentação de ser um pouco sarcástico, principalmente contra quem sente genuíno prazer em apontar os erros que vê. Deixei passar alguns acessos de rispidez neste livro, para os quais peço, antecipadamente, perdão.)
Serenidade
A língua não está a morrer e nem sequer está em perigo. O português-padrão não está a ser cada vez mais maltratado: está em expansão e lá terá as suas dores de crescimento, mas nada que mereça o discurso excessivo e radical que ouvimos por aí. Podemos respirar fundo e sentir algum prazer no uso da língua e ainda aceitar uma certa abertura às línguas que estão próximas — e até às formas regionais do português, se quisermos.
Abertura
Ao galego, ao português do Brasil. Temos de reconhecer a importância da língua para o nosso sentido de comunidade e de identidade (para o bem e para o mal), mas podemos tentar não ter tanto medo do que está próximo — ou seja, não ver o galego ou o «brasileiro» como ameaças, antes como idiomas próximos a que podemos aceder sem especial dificuldade. Não precisamos de acreditar em lusofonias políticas ou em estrambólicas uniões entre Portugal e Galiza para conhecermos essas outras formas de falar a nossa língua.
Prazer
Prazer em falar e em escrever em português. Prazer em trabalhar a língua, em rever, em melhorar todos os dias. Prazer em ler bons livros. Prazer em falar um pouco sobre o que se lê. Sim, prazer — temos mesmo de ser tão sérios que da língua só possamos falar do que está mal e nunca do que está bem ou sabe bem?
Aplaudo, como sempre.