Certas PalavrasPágina de Marco Neves sobre línguas e outras viagens

Sete dicas para evitar erros ortográficos

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Há quem esteja convencido de que escrever bem é só isto: não dar erros ortográficos.

Ah, se fosse assim tão fácil.

Mas, claro, é muito importante aprender a evitá-los. Aliás, a minha profissão também implica andar à caça desses bichos feios. E, na verdade, um texto bem escrito com erros ortográficos é como uma bela casa com a tinta a cair. Ou alguém que se veste bem mas não repara nas nódoas.

Sim, temos de limpar os textos antes de os apresentar em público.

Aqui ficam sete dicas (há muitas outras, mas estas foram as que me vieram à cabeça neste fim de tarde):

  1. A dica das dicas nisto da língua: ler muito. Ler ainda mais. Ler com atenção. A ortografia também se aprende ao ler. Aliás, é a única forma de ganhar boas bases nisto da escrita. Bem, há outra: escrever. Escrever muito. Repetir a dose durante muitos e bons anos e nunca achar que já está.
  2. Perceber que todos nós podemos dar erros. Quem acreditar no contrário está em risco de dar mais erros do que daria se tomasse uma boa dose de cautela. E, tendo em conta as reacções absurdas de algumas pessoas perante os erros dos outros, há quem ande por aí convencido que o mundo se divide entre os que dão muitos erros e quem não dá nenhum. Ah, mesmo aqueles que dominam a ortografia têm horas cansadas, dedos mais rápidos do que o pensamento…
  3. Rever os nossos textos. Sim, eu sei: é óbvio. Mas se o escrevente tiver demasiada confiança em si próprio não revê coisa nenhuma. Confesso aqui, porque estas dicas também são para mim: neste blogue, já me aconteceu carregar no botão «Publicar» sem reler o texto. Arrependi-me, quase sempre. Mais vale reler. Por isso, não é demais repetir: depois de escrever, convém ler. E o melhor é deixar passar algum tempo. Se estivermos a escrever no computador, também é certo e sabido que há erros que só nos vão aparecer no papel. Por fim, sempre que possível, convém pedir a um amigo de confiança para olhar com atenção para os nossos textos. Porque os nossos próprios erros têm uma tendência enervante para serem invisíveis aos nossos olhos.
  4. Consultar obras de referência. A ortografia é uma das áreas convencionais da língua: há regras relativamente claras e estas regras vêm explicadas em prontuários e outras obras de referência. É uma questão de as ter ao pé da mão. Um outro truque: mesmo quando não temos dúvidas, é interessante folhear um livro deste tipo e descobrir pormenores da ortografia que não conhecemos.
  5. Aprender quais são os nossos erros habituais. Todos nós temos um ou outro erro em que caímos com um pouco mais frequência do que o habitual. Será boa ideia procurar esse erro nos nossos textos. Podemos criar uma lista e tê-la ao pé do computador. Mas, lá está, para isto resultar é preciso não estar convencido que isto dos erros é só com os outros.
  6. Usar o corrector ortográfico do Word. Outro conselho óbvio, eu sei. Mas já vi tanto texto que merecia uma boa varridela automática que vale a pena sublinhar o óbvio: os correctores ortográficos automáticos ajudam a detectar alguns erros. E são fáceis de usar! Querem uma dica um pouco mais estranha? Ponham o computador a ler o texto (é possível!). Alguns dos erros que são quase invisíveis aos nossos olhos são desmascarados quando nos arranham os ouvidos. Um exemplo? A falta de acento nos ii.
  7. Ligar mais aos nossos erros do que aos erros dos outros. Devemos corrigir os erros dos outros? Sim, claro: em privado e com delicadeza. Mas viver obcecado com os erros dos outros só nos deixa mais longe de melhorar o nosso próprio português. Por isso, toca a olhar com mais afinco para os textos que nos saem das mãos. Se somos exigentes e sarcásticos com os erros dos outros, sejamos ainda mais exigentes e sarcásticos com os nossos erros.

Disse no início que os erros ortográficos são um aspecto secundário da língua. Mas a verdade é que se cumprirmos estas dicas, aprendemos muito sobre aquilo que é ainda mais importante: como escrever de forma clara, como estruturar bem as frases, como criar uma voz própria, como fazer com a língua aquilo que queremos. No fundo, quem dá muitos erros ortográficos mostra que não lê muito, não revê os textos, não quer saber disso. Assim, é normal que os erros apareçam em maus textos.

Sim, é possível escrever bons textos com muitos erros, mas é raro. A verdade é que os nossos cérebros estão tão habituados a fazer a associação entre ortografia correcta e bom português que, por mais qualidade que vejamos no tecido, ligamos mais às nódoas.

E pronto: são estas as minhas dicas de hoje para evitar erros ortográficos. Quem tiver mais que se acuse…

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Autor
Marco Neves

Professor na NOVA FCSH. Autor de livros sobre línguas e tradução. Fundador da Eurologos.

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39 comentários
  • Gostei muito, pois acho que são conselhos muito úteis, apesar de alguns serem óbvios (mas quantas vezes esquecemos de fazer algo que é óbvio?)
    Gostei ainda mais por estar escrito como deve ser, ou seja sem esse enorme erro ortográfico que é o AO90 🙂
    Parabéns!

    • Fazendo “mea culpa” por dislexias cheias de pressa, subscrevo inteiramente. É exactamente o que penso. Quanto a correctores ortográficos… tenho experiências mal cicatrizadas, justamente porque não percebo o espírito da Lei que gerou o AO90 :). O livro é sempre um excelente amigo, para a eternidade, desde que não contenha paraliteratura. Obrigada!

  • É isto mesmo. Concordo com todas as dicas e tento praticá-las.
    E sabe muito bem validar procedimentos, em vez dos habituais olhares e suspiros condescendentes e até recriminatórios: “picuinhices!” e “que perda de tempo!”.
    Obrigada.

  • Gostei muito, lindo texto, para além do mais escrito sem o infâme AO90. Logo ao início com “A dica das dicas nisto da língua: ler muito.” quem quiser seguir o AO90 fica logo com a sua leitura tremendamente limitada!
    Mas como é bonito escrever bem! E falar bem, não esqueçamos!

    • Ah, Mário Forjaz Secca, prefiro a bonomia, o sabor e o saber do Marco Neves, que, para expor as suas ideias, não precisa de dizer que isto ou aquilo é infame. Até esta pessoa que comenta este teu “post” não recorre ao insulto:
      Luciano
      Não entendo como alguém que diz defender a grafia “correcta” da língua portuguesa escreve infame com acento, que nunca pertenceu a norma nenhuma, nem à de 1943, nem à de 1945, nem à de 1990 nem a nenhuma anterior.
      28/07/2016

  • Diria que concordo com tudo mas, não é verdade – com “correcção WORD” não poderei.
    Porquê?
    Porque este se sustenta numa plataforma de uma língua não oficial, incorrecta.

    Simples.

    • Não percebi bem o comentário: o que quer dizer com língua não oficial? Se está a falar do acordo, a verdade é que o Word corrige as duas ortografias.

  • Gostei, mas não gostei das “dicas”. Eu sempre evitei esta palavra, oriunda do calão brasileiro, mas ao vê-la tão usada neste texto sobre correcção ortográfica pergunto-me se não estará já admitida pelo Português. Fica a questão.

      • Não, ‘dicas’ não é habitual em Portugal. Ou não era, até começar a ser disseminada por tudo quanto é ‘órgão’ de comunicação. ‘Dicas’ é uma expressão brasileira; em Portugal temos várias com o mesmo sentido e muito mais ‘ricas’: informação, sugestão, pista, indicação, etc… Era bom que, pelo menos, este espaço não se deixasse invadir pelas ‘brasileirices’ da língua.

        • Uso a palavra desde criança e oiço-a da boca de pais, colegas e amigos. Não vou deixar de a usar só porque a palavra tem origem «suspeita», tal como não vou deixar de usar todas as outras palavras que indica como sinónimos. Espero que tal não seja impedimento a que continue a ler este blogue. Obrigado!

          • Um aviso aos comentadores: aqui no Brasil se fala português também! Ademais, ainda que brasileiro, prefiro não usar a palavra “dica”. Questão de gosto! Grande abraço e obrigado pelo blog, Marco!

  • Não entendo como alguém que diz defender a grafia “correcta” da língua portuguesa escreve infame com acento, que nunca pertenceu a norma nenhuma, nem à de 1943, nem à de 1945, nem à de 1990 nem a nenhuma anterior.

  • Gostei muito do texto. Sou professora, faço revisão textual e sei bem do que fala! Quando os olhos ficam viciados, quando lemos o que queremos e não o que lá está, quando as gralhas teimam em pousar nos nossos papéis…

  • Gostei de ler o texto ! Até porque tenho consciência que escrevo com erros e não gostava nada de faze-lo ,por isso gostei das dicas e vou tentar segui-las obrigada.
    Maria Luisa

  • A minha resposta é , tenho escolaridade basica ( 4clase , não será essa a desculpa para fazer erros , a minha dificuldade é, quando estou a escrever um texto não ter a certeza da palavra que escrevi está correta , por exemplo ( assasino ) a mim parece – me que está errada . Obrigada
    Maria Luisa Medeiro

  • Boa noite,
    Gostei muito de ler este texto, como outros seus. Aliás, tenho por hábito fazê-lo, sempre que posso, pois o meu correio electrónico não me deixa esquecer.
    Sou uma “fanática” por este tema e fico furiosa quando me deparo com erros ortográficos, principalmente da parte de pessoas que têm a obrigação de escrever correctamente.
    Só tenho, se me permite, um único reparo a fazer: nunca gostei da expressão “dar erros”. Nós não os damos a ninguém. Cometemos erros. Desculpe, mas tinha de dizê-lo. Claro que não sou a dona da verdade. Ninguém o é! Trata-se, meramente, duma opinião.
    Parabéns e fico à espera de mais temas seus.

    • Estava a saltitar pelo blogue e vim parar aqui.
      Assim como não gosto de dizer (e ouvir) “carregar no botão” preferindo “aperta o botão “, aprecio esta ressalva da Maria Margarida Silva.
      Não irei “exigir” a alguém que deixe de “dar” erros, mas irei passar antes eu próprio a ‘cometer’ erros. 😉
      Obrigado.

  • Fiz uns cálculos rápidos e descobri que todas as pessoas que aqui expuseram as suas opiniões frequentaram a escola primária antes de 1974! Estarei certa? A partir dessa data a maioria das pessoas, e os jovens actuais, usam um dialecto que não consigo entender. Eu tento não cometer erros escritos nem falados. Obrigada a todos pelos ensinamentos que aqui li.

    • O que lhe posso dizer é que o autor do texto frequentou a escola primária muito depois de 1974. Entrei em 1986… 🙂

  • Sempre fui recordista em cometer erros ortográficos e por isso sei o tremendo esforço e trabalho que dá, para elaborar um texto, uma memória descritiva de arquitectura, no meu caso, que seja ao mesmo tempo, apelativa, conciza, técnica, descritiva, sonhadora, contemporânea e facilmente legível. Como não tenho o dom da palavra, pago com muito suor…de fazer corar qualquer sauna!
    Um muito obrigado pela ajuda que me dá com este blogue.

  • Adorei o post, mas fiquei imensamente entristecida com o preconceito (ainda!) latente de portugueses para com os brasileiros. Em minha opinião as tais “brasileirices” da língua são apenas mais uma variante, assim como a angolana e tantas outras por aí (isso falando de modo geral e sem me aprofundar nos pormenores de cada variante do português).
    Espero ver melhoras a respeito desse preconceito “bobo” ainda em vida.
    Mas o post em si foi de grande valia para mim! Escrito com muita delicadeza, porém apontando uns bons dedos para nossos próprios erros… Obrigada!

    • Concordo com você, Marcela! Fiquei entristecida e estarrecida ao ler no comentário “as tais brasileirices”! Seria isto um preconceito linguístico? Com a palavra, os mestres. Contudo, concordo com o Marco. Há que se ter o cuidado com possíveis erros ortográficos, quando se é e, se quer, ser escritor. Ah, perdão se erros aqui cometi. Abraços brasileiros de quem ama e admira Portugal e seus filhos!

  • É sempre com gosto que leio os seus textos.
    Obrigada , por deixar para todos os que o querem ler, informações e esclarecimentos, no sentido de escrevermos e ,ou ,falarmos correctamente, a língua portuguesa, hoje tão maltratada pelos nossos jovens.
    O erro ortográfico, que se encontra com tanta frequência nos mais variados textos, desde os publicitários aos informativos, aos oficiais, e outros, será fruto de contínua distracção, de desleixo, ou de
    ignorância?
    Não sou obcecada pelo erro, mas “magoa-me” uma escrita ortograficamente incorrecta.
    Já agora, permita-me uma dúvida:
    Na alínea 3 do seu texto, usa “…demais repetir…”
    Este “demais” não deveria ser escrito “de mais”?
    Em tempos idos, sempre me foi ensinado por excelentes professores, que quando pudermos usar na frase “de menos”, deve-se escrever as duas palavras separadas e não juntas, isto é , uma só palavra.
    Assim , eu escreveria :
    “ Por isso, nunca é de mais repetir…”
    Claro que em caso de dúvida, podemos sempre usar “ demasiado”, e o problema está resolvido.
    Desde já agradeço o esclarecimento, que , estou certa, vai dar.
    Muito obrigada.

    • Cara Margarida,
      Muito obrigado pelo comentário!
      A todos nos magoa o erro repetido — mas também é verdade que todos acabamos por cair em erros, pois é praticamente impossível escrever sem haver uma distracção aqui e ali. Daí que seja necessária uma atenção constante. Em relação aos erros frequentes que por aí se vêem, teremos de ter em conta que nunca, como hoje, se escreveu tanto, na internet, na televisão e em todo o lado. Também a partir desse fenómeno de multiplicação da escrita conseguimos perceber melhor a multiplicação dos erros. Há aproximadamente dois anos, escrevi este artigo sobre o assunto: «Porque vemos tantos erros no Facebook?» (https://certaspalavrasnet.wpcomstaging.com/asneiras-nos-observatorios-das-asneiras/)
      Quanto à dúvida relacionada com o «demais», hesitei e fui verificar. Admito que possa haver mais do que uma interpretação das regras ortográficas neste ponto, mas seguindo o que está exposto no Ciberdúvidas (https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/outra-vez-demais-e-de-mais-em-portugues-europeu/24497), penso que este «demais» será sinónimo de «demasiadamente» e, desta forma, deve ser escrito sem espaço.
      Muito obrigado pelo comentário e pela atenção e espero que volte ao blogue!
      Cumprimentos sinceros,
      Marco Neves

  • “ (…) melhorar o nosso próprio português”…
    Neste caso, a palavra português é com maiúscula (Português). Relembro que português é quem tem a NACIONALIDADE PORTUGUESA.

    “ (…) Disse no início que os erros ortográficos são um aspecto secundário da língua.”
    Neste caso, a palavra língua é com maiúscula (Língua). Na boca temos a língua, que é diferente da Língua Portuguesa (IDIOMA).

    • Não, tanto num como noutro caso as regras habituais da língua recomendam o uso de minúscula. É aceitável o uso de maiúscula, mas não é nem obrigatório nem habitual.

    • Já agora, uma precisão: a maiúscula é aceitável em “português”, mas não em “língua”.

  • Amo a língua portuguesa. Daí, qualquer assunto que diz respeito a ela me chama atenção e, procuro absorver ao máximo tudo o que é passado; as sete dicas foram de grande valia para redigir com clareza um bom texto. Adorei!

  • Conselhos/sugestões muito interessantes!
    Mas falar e escrever corretamente não é fácil!
    No últimos anos tenho descobrido que as pessoas, mesmo figuras do governo, utilizam o presente do indicativo em vez do pretérito perfeito.

  • Também não entendi o porque da reclamação quanto ao uso de uma “brasileirice”. E se alguém escrever por aqui “laptop”, “internet”, “facebook”? Não
    seriam “anglisices” ?

  • Caro Marco,

    De acordo relativamente ao “demais”, que passou a ser banido de tudo o que vejo escrito e substituído por “de mais”, mesmo quando não deve sê-lo.

    Quanto ao resto, gostaria apenas de indicar que se escreve “varredela”, ou “varredura”, em lugar de “varridela ” (forma que, devo confessar, teria a minha preferência, se existisse).

    Melhores cumprimentos,
    Frederico Matos

    • Caro Frederico, muito obrigado pelo seu comentário. Em relação a “varridela”: se prefere a forma, julgo que pode usá-la sem medo, pois existe e está nos dicionários. Espero que regresse a esta página. Um abraço!

  • “Há quem esteja convencido que escrever…” [Errado]
    “Há quem esteja convencido de que escrever…” [Correto]

    • Chama-se “estratégia cortadora” e é parte da nossa sintaxe há bastante tempo. Fazemos isto muito com o “de” e o “a”, “bastante menos com o “com”. Considero que deve ser corrigido em textos cuidados e, por isso, agradeço-lhe. Vou alterar. Cumprimentos sinceros,
      Marco Neves

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