Há uns meses, Gaston Dorren, autor de óptimos livros sobre línguas, perguntou-me qual é o palavrão mais usado em Portugal. Há muitos, claro, mas qual é aquele que todos dizemos quando damos com o pé na esquina da porta?
Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.
Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que espalhei pelas famosas redes sociais.
Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão» (a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra tão rara que mal se percebe.
Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões. Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão, para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se», «caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas hoje não é dia de falar deles.
Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu ao trabalho de responder ao meu inquérito?
Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva, diga-se a bem da verdade.
Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…
O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como «mrd» em lugar do palavrão…
Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão «f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a maioria absoluta.
(Houve ainda 7% de respostas variadas.)
Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».
A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…
Fica para qualquer dia.
Sugestões de leitura
Sugiro (não é a primeira vez) o blogue de Gaston Dorren e os seus livros Lingo e Babel. Há pouco tempo, John McWhorter publicou Nine Nasty Words, sobre o tema. Por cá, temos o Dicionário de Insultos, de Sérgio Luís de Carvalho, e o Pequeno Livro dos Grandes Insultos, do meu editor Manuel S. Fonseca (curiosamente, os livros portugueses sobre o tema concentram-se nos insultos).
Sobre o tema, já escrevi por aqui:
- «Dizer palavrões faz bem (mas não digam a ninguém)»
- «Como inventar um palavrão?»
- «Palavrões portugueses nas bocas galegas»
- «Sete palavrõezinhos do português»
Como galego que sou, posso dar testemunho de que para acima do Minho, o palavrão vencedor ía ser o “c……”, embora “m….” seja muito utilizada também.
Ótimo e engraçado artigo, obrigado!
Um outro palavrão, porrada, se recorrermos à etimologia , não seria palavrão, visto vir de porra, o cacete oficial das tropas romanas. Porrada seria um antigo sinônimo de cacetada.
O palavrao escolhido por autor, nestas eleiçoes, representaba também a aquel simpático movemento anarca que publicaba uma revista com o nome do grupo, com as letras iniciais destacadas. Era o Movimento Educativo Recreativo Dos Anarcas… Muito ri eu com ela quado viajaba a sul.
Professor Marco Neves,
Não porei em causa os seus comentários e percentagens de respostas obtidas. Mas saberá, tão bem como eu, que “PORRA”, embora não lhe aponha asterisco tem o significado, para além da exclamação, exatamente igual ao de ” c*r*lh*”, pelo menos etimologicamente.
Veja-se, por exemplo, poesia erótica de M. M. du Bocage. Nesse tempo ainda não era usada a outra palavra acima referida; mudam-se os tempos, mudam-se os palavrões…
Será caso para se dizer que o tempo mitigou a grosseria? Não. O tempo é que fez esquecer o significado; ficou apenas a palavra.
Tarde soube que porra era palavrão.
… e ainda, tinha-me esquecido, um pormenor “gramatical”: palavrões que mudam de género, como, novamente Bocage e outros do seu tempo; “cono”, que hoje é “feminino”, tal como “sujo” e “suja”, “pinto” e “pinta”, etc., embora no falar brasileiro o penúltimo termo já é usado, intencional e opcionalmente, como palavrão.
… que a pudicícia dos nossos dicionaristas regista, na respectiva entrada, apenas: “género de moluscos gastrópodes da ordem dos prosobrânquios”. Fazem bem!!!
Ótimo artigo, mas concluo que os brasileiros somos mais propensos a palavrões mais ou menos sonoros. Nelson Rodrigues, o grande teatrólogo brasileiro, em suas crônicas fala-nos sobre o efeito libertador do palavrão, principalmente no jogo de futebol. Usamos os quatro primeiros colocados com alguma frequência e alguns metaforicamente. Esta porra ou esta m*rd* significa algo que eu não gosto ou que foi mal feito. Um cara do c*r*lh* é um cara bom, bacana. Há feministas tentando transformar o c*r*lh* pelo equivalente feminino, o que aqui soa muito mal, mas acho que nas terras lusíadas pode-se falar sem ruborizar as faces. Mas na Terra de Santa Cruz, usamos duas interjeições que vocês nos ensinaram e aprendemos facilmente, longe, é claro, dos severos jesuitas. Refiro-me ao insulto clássico: filho da p*t* e a interjeição enfátiva p*t* que o pariu, ou quando a auto-estima está baixa, o p*t* que nos pariu! Abraços
Parece que o resultado não difere muito do que se diz aqui no Brasil . Acho que a frequência de uso é exatamente a mesma e nessa mesma ordem ! Há substitutos para atenuar esses palavrões , como “caráter “ “ que se ferre” , “lerda” e outros … a curiosidade que tenho : qual será a língua mais rica em palavrões ?
A língua de uma peixeira que vendia peixe à porta da Estação de S. Bento a destratar um cliente que reclamava do preço, segundo um alfacinha em trânsito. A mulher foi absolutamente nojenta e eu só não fiquei profundamente enojado porque me ri imenso do alfacinha pelo modo como, não sei quantos anos depois, contava a história que, claro, o deixou estarrecido.
Coisas que eu ñ sabia e que é bom saber…sabe bem,e faz bem saber sempre mais…Obrigada pelo seu saber e sua partilha prof.
No Brasil, especialmente no sudeste, c*r*lh* e f*d*-se seriam os campeões, apesar de que “merda” também esquente as línguas por aqui.
Ótimo e engraçado artigo.